17 de jun. de 2009

O SACRIPANTA

Era uma tarde modorrenta. O clima perfeito para um filme de faroeste. O corredor do térreo que dava acesso ao pátio estava vazio. As crianças nas salas de aula. O sol causticando as paredes.

O sr. Melônio, nome advindo da forma contracta dos nomes de seus avós, vinha caminhando lentamente, arrastando os seus pés, num caminhar característico; recebera o apelido carinhoso de ursinho, pois lembrava um brinquedo movido à pilha. Ele era o velho bedel da escola, tratado pelos alunos como um verdadeiro amigo. Um pouco antes do toque da sineta avisando o recreio, ele recostava-se num banco mais afastado do pátio debaixo de um pé de cajá e fica pastoreando o rebanho irrequieto de meninos e meninas em alvoroço.

O badalo da sineta estalou nos ouvidos das crianças e antes que as professoras tivessem qualquer reação um turbilhão de criaturinhas passou pelas portas das salas desafiando a lei física de que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço.

Kátia correu apressada na direção de Melônio e saltando sobre suas pernas sentou-se em seu colo. Era o costume, pois muitos que sabiam que o velho bedel tinha sempre o bolso cheio de pirulitos e caramelos.

- Dê-me o meu pirulito, disse a menina.
- Aqui está o seu pirulito, minha princesa.

Mas quando Kátia fez menção de sair e disparar pelo pátio para as brincadeiras de sempre.

- Fique mais um pouco e eu lhe dou outro pirulito e mais caramelos, o velho insistiu.

- Quantos caramelos? Negociou kátia.

- Quantos você quer?

- Mil, disse a menina.

- Concordo, desde que eu lhe dê um pouquinho hoje e o restante nos outros dias, ele disse.

- E agora? Ela insistiu.

- Todos os que estiverem no meu bolso se você ficar aqui comigo até o fim do recreio.

As outras crianças se aproximavam em busca de doces e kátia gritava.

- Hoje, são todos meus.

As crianças deixaram o bedel e Kátia e se ocuparam de suas estripulias cotidianas. O velho vendo-se mais sozinho, aproximou lentamente o nariz dos cabelos da menina.

- Você está muito cheirosa, que perfume é esse? Ele perguntou.

- Não sei, foi minha mãe quem colocou, ela disse.

- Você usa shampu, ele disse com a intenção de acariciar-lhe os cabelos.

- Uso e faz muita espuma, ela completou.

Ele então roçou a mão pela nuca da criança e ela num gesto quase automático, como se um besouro peçonhento houvesse pousado, afastou-lhe a mão.

Ele num ato involuntário empurrou a menina para fora de seu regaço.

Ela deixou-se cair achando muito natural a brincadeira, mas ele a olhou com olhos pesados e rancorosos.

- Você é uma menina feia e muito má, ele disse com a voz grave de uma bruxa malvada.

Kátia desatou num choro convulsivo, como se houvesse compreendido o que havia ocorrido. Nem mesmo a Irmã Neide, que acolheu a menina que foi-lhe cair nos braços no outro lado do terreno, entendeu o que havia se passado.

A sineta avisou o fim do período de brincadeiras, todos retornaram para as suas salas de aula, mas Kátia ficou até o fim da tarde na sala da secretaria com nojo do mundo.