28 de mar. de 2011

O MENINO VOADOR

Amanheceu o dia e já se escutava a algaravia de Raulzito por dentro da casa. Ele estava fascinado com a idéia de voar. Corria da sala para a cozinha com um lençol amarrado no pescoço imitando o super heroi que tinha visto na televisão. Depois que Raulzito acordava era impossível ficar na cama. Dona Clara levantou-se e abriu a porta do quintal e num átimo ele passou como um bólido disparado por um canhão.

Dona Clara não se avexava em chamar os outros e ia para a cozinha para fazer o café da manhã. Ela somente escutava o barulho de Raulzito no quintal, a intervalos regulares ela dava uma espiada para ver como iam os acontecimentos com o menino. O quintal era amplo com espaço de voo para qualquer menino voador; também era mais seguro. Uma criança precisa de espaço por expandir os seus sonhos.

Os outros ainda pegavam aquele segundo e último sono, aquele repouso de brinde, que se recebia antes do despertar definitivo. Este é um momento mágico no qual se pode ficar com um pé entre cada um dos mundos. Kátia sonhava que era uma menina voadora que percorria as ruas da cidade voando com os braços abertos a um dois palmos do chão; ela mantinhaos olhos voltados para o chão para ver os detalhes da terra e do calçamento. O pai sonhava este sonho meio acordado que disparava para o alto em direção às nuvens deixando ara trás a cidade, que ia ficando cada vez mais pequenina e, lá do alto ele escolhia um outro lugar para ir morar, um lugar distante, muito distante de tudo e de todos. Até mesmo Dudu, o cão viralata que havia sido adotado pelos meninos, grunhia e se movimentava em seu sonho de borboleta; no mais íntimo de si ele sonhava em ser uma borboleta com asas multicoloridas e pousando de flor em flor. Eram sonhos com a temática comum do voo influenciados pelo sonho de Raulzito.

Enquanto isso, Dona Clara sonhava em morar em um balão. O cheiro de café subia aos ares e junto a imaginação dela; naquela casa aérea Raulzito somente precisaria saltar pela janela e teria ao seu dispor todo o céu. Também pensava Dona Clara que seria necessário amarrar um grande fio aos pés do filho para ele não ir para a lua ou como era muito traquino, ir para o sol, mas lá ele poderia se queimar e seriam necessários vários caminhões de pomadas para tratar das queimaduras. Raulzito continuava voando a toda velocidade pelo quintal.

- O leite! Gritou o leiteiro da porta.

O segundo sono acabou e as pessoas foram se levantando, o pai, a irmã e Dudu. Cada qual se espreguiçando embalados pelo cheiro de café que inundava toda a casa. Kátia correu para o banheiro. O pai procurou os chinelos debaixo da cama e percebeu que eles estavam na boca de Dudu, uma disputa matinal diária. Dudu somente obedecia a menina.

- Kátia, mande dudu devolver as minhas sandálias, gritou o pai.

- Dudu! Chamou Kátia do banheiro.

O cachorrinho correu até a porta e ficou latindo deixando para trás as sandálias.

- Todo dia é esta arrumação de vida; este cachorro agora faz parte da família.

- O café está pronto, avisou Dona Clara.

Todos foram chegando ao redor da mesa, café quentinho, cuzcuz, ovos estrelados na manteiga do sertão,queijo de coalho assado, leite com nata. Sentaram-se todos como de costume, então notaram a falta de Raulzito.

- Raulzito! Chamou o pai.

O menino estava no quintal de pé sobre um balanço que o pai havia feito no cajueiro. Balança-se de um lado para o outro tão alto que quase estava conseguindo fazer um círculo completo.

- Raulzito, o seu pai está chamando, avisou a mãe.

Mas o menino-voador agora estava nas alturas com a sua imaginação.

- Vai esfriar, reclamou Kátia.

Todos voltaram-se para a mesa abstraindo a falta de Raulzito. Dudu começou a latir de forma insistente na porta da cozinha.

- Depois Dudu eu lhe dou o seu café...Admoestou Dona Clara.

Mas Dudu continuava latindo. Então todos tiveram a impressão de ter escutado um choro vindo do quintal.

- Raulzito! Lembrou a mãe.

Correram todos para o terreiro e viram Raulzito preso pelo pé no alto do cajueiro. O menino no afã de conseguir cada vez mais ir mais alto fez um looping indo ficar como um enfeite preso na árvore, um enforcado pelo pé.

O pai colocou a escada encostada ao galho onde ele estava preso  e o retirou com carinho. Neste dia o menino-voador passou o dia na cama pensativo, havia desoberto a fornteira que separam os sonhos da realidade.

27 de mar. de 2011

CAPÍTULO 3 - ÓDIO À CABIDELA

Gertrudes pegou a faca e viu reluzir nela o sol da manhã;  seus olhos com brilhante luz viam o arrebol avermelhado e fazia a sua língua, num movimento quase automático,  lamber os lábios sentindo o gosto de sangue.  Ela mostrou a faca a Padma que não fez qualquer movimento.

- Hoje eu preciso comer uma galinha  á cabidela, disse Gertrudes.

E passaram o café da manhã sem qualquer palavra sobre o assunto.

- Você me acompanha?  Vou ao mercado comprar uma galinha gorda para satisfazer a minha vontade.

- Você deveria deixar de comer  carne animal.

- Não me venha com este papo furado de vegetariana;  hoje eu retorno à minha origem primitiva...

- Mas você já estava se desintoxicando...

- Estou cheia de verduras, cereais, chás  e todas essas coisas insossas.

- Você é uma mulher inteligente.

- Muito bem, mas ainda assim sou uma selvagem no sentido estrito da palavra  e hoje eu quero uma galinha à cabidela.

- Com sangue?

- Ao que eu saiba não é possível fazer um molho à cabidela sem sangue.

, - Não podíamos tentar fazer com soja e molho de tomate?

- Não diga uma blasfêmia.

Gertrudes arrumou-se e obrigou Padma a segui-la. Tomaram o rumo do mercado Central de João Pessoa. Pegaram o  ônibus como duas estranhas e durante o caminho não se falaram. Quando o coletivo parou Padma disse:

- Eu não acredito que estamos indo a um mercado comprar um animal para sacrificá-lo e depois comê-lo.

- Pois acredite...

Gertrudes puxou Padma pela mão em direção ao mercado de galinhas. Este é um lugar bastante peculiar do mercado central, com grandes gaiolas cada qual com muitas aves. O cheiro de pena molhada, excrementos e galinha suja pairam no ar. Padma protestou:

- Os animais são tratados sem a menor dignidade...

- Dignidade de galinha é a panela, arrematou Gertrudes.

- Você me assusta com este instinto assassino...

- Ora, toda esta civilização vive do sangue destes animais...

- É uma civilização de doentes exterminadores da natureza.

- Não precisa ficar com culpa, o seu único envolvimento é servir-me de companhia e não se preocupe que ninguém aqui lhe acusará de ser comparsa desse delito.

Você sabia que uma galinha tem uma alma?

- Na minha opinião ela tem sabor, a carne é mole ou dura dependendo da criação.

-Eu falo de vida espiritual e com direito a viver com plenitude a sua encarnação...

- Padma, você precisa se acostumar com a humanidade do jeito que ela é...

Gertrudes distraiu-se com as galinhas e escolheu um belo espécime gordo e cacarejante.

- Ótimo,  esta parece que está na época da postura e nós vamos aproveitar os ovos antes deles serem postos...

Os olhos de Padma marejaram com finíssima lágrima que correu pela sua face, mas Gertrudes não se abalou, colocou a galinha numa sacola grande que tinham levado com este fim e voltaram para casa. Durante o caminho de volta a galinha cacarejava com certa felicidade, pois o garajau onde estava era fétido e desconfortável. Talvez se passasse na cabeça daquela ave com a sua alma uma esperança de um lugar melhor sem imaginar o seu destino na panela de Gertrudes.

Padma permaneceu em silêncio. Nada mais disse limitando-se a acompanhar apenas com um grande sentimento de compaixão pela amiga.

Ao chegarem a casa Gertrudes dispôs a galinha no recanto da cozinha. Padma intercedeu:

-Não poderia ao menos colocá-la solta no banheiro da área de serviços para que a mesma desfrute de um pouco de liberdade?

Gerturdes ia dizer uma piada, mas diante da verdade das palavras de Padma concedeu esta benesse à galinha antes de sua morte. Padma desamarrou as pernas da ave, aconchegou-a no colo. A galinha sentindo talvez saudade de quando ainda era um pintinho deixou se embalar piando como se estivesse sob as asas protetoras da mãe. Padma deixou-a solta no banheiro , colocou água e um pouco de pão molhado que foi devorado com rapidez.

Gerurdes deu inicio aos preparativos para fazer a sua galinha à cabidela. Pegou a faca e iniciou a amolá-la num ferro de amolar que fazia tempos que não usava.

- Padma, eu sei que você acha estranho este costume de comer galinhas, mas isto que eu estou fazendo eu aprendi com a minha mãe, é a coisa mais natural do mundo, se você quiser pode ir para outro lugar hoje.

- Ficarei contigo.

- Você já sabe o que vai acontecer, não sabe?

- Sim...

- E que eu não vou desistir?

- Não se incomode; eu não vou interromper o seu costume...

Então Gertrudes procurou por uma grande bacia de louça, lavou-a e colocou um pouco de vinagre dentro dela.

- O vinagre é para o sangue não coagular, entendeu?

Gertrudes pegou um grande caldeirão pôs no fogo. E preparou um grande uma tocha de jornal.

- O caldeirão é para ferver a galinha e facilitar na limpeza dos esporões das penas e a tocha é para queimar as penugens que ficam, somente depois disso é que a gente abre para fazer a limpeza interna.

Padma teve vontade de vomitar, mas permaneceu imóvel.

- Também já percebi que vou ter fazer isso sozinha, não é?

Padma não disse nada.

- Não se incomode eu sei me virar, não posso nem lhe ameaçar excluindo de participar do banquete...

Finalizado os preparativos Gertrudes foi buscar a galinha. Abrindo a porta do banheiro descobriu que a mesma havia posto um ovo.

- Ela botou um ovo, maravilha então ela está ovada... Adoro ovinho antes de ser posto, Huuuum, é muito gostoso.

- Este ovo é um pedido de clemência...

- Que seja, vou comer o ovo e a dona do mesmo jeito.

Quando Gertrudes foi pegar a galinha, a penosa  sentindo já os ares de liberdade correu entre as suas pernas em direção à sala.

- Corre, Marieta, corre para se salvar... Gritou Padma.

- Ela agora tem um nome?

- Tudo que tem alma, tem individualidade, que é expressa por um nome...

Gertrudes correu atrás de Marieta, galinha recém- batizada por Padma.

- Corre...

- Padma, não incentive esta rebelde...

Marieta correu para o quarto e ficou cacarejando em cima da cama de Gertrudes, e num ato de extrema revolta fez  um rasgo de fezes em cima do travesseiro.

- Ah, miserável, agora você vai morrer de qualquer modo, eu já estava ficando com o coração amolecido com este papo  de Padma, mas agora descobrimos que você é minha inimiga mortal e eu não vou perdoá-la a não ser quando estiver  no meu estomago.

Marieta cacarejou e correu em direção ao guarda-roupa. Voou depois pelo quarto colocando abaixo perfumes, quadros e outros objetos.  Fez o mesmo na sala, mas sabiamente evitou  a cozinha. No entanto,  quis o destino que Marieta  terminasse nas mãos de Gertrudes que quase a estrangulava.

- Eu somente não mato você estrangulada, sua  bandida destruidora de lares, por que isso estraga a carne.

Gertrudes carregou Marieta pendurada pelo pescoço até a cozinha.

- Padma saia já daqui, pois não quero que você me atrapalhe mais...

- Irei para o meu quarto...

Padma se retirou. Gerturdes  no alvoroço provocado pela perseguição à Marieta não se deu conta de que precisava organizar o prato com o vinagre a faca e ir batendo o sangue enquanto cortava o pescoço da ave. A técnica é simples  corta-se a veia  e vai-se aparando o sangue na vasilha enquanto se bate o sangue com vinagre, para depois fazer o molho;   se não se fizer isto o sangue coagula e somente pode ser colocado na panela como um ingrediente sólido que é muito disputado pelas crianças.

- Desde pequenos somos educados para a selvageria, pensou Gerturdes.

Num ato de extrema improvisação ela abriu a porta da geladeira e enfiou Marieta lá dentro enquanto punha todas as coisas em ordem.

-Onde está Marieta, já consumou  a morte? Perguntou Padma voltando à cozinha.

- Não, preciso me organizar, já que vou ter fazer esta coisa sozinha.

- Cadê ela?

- Está na geladeira...

- Você trancou Marieta na geladeira?

- Somente enquanto eu me preparo...

- Mas isto é tortura...

_ Daqui a instantes ela já terá passado para a outra a vida , é somente uma pequena experiência  térmica em sua vida.

-Tire-a de lá agora.

Gertrudes sentindo a dor de Padma abriu a geladeira e viu que Marieta tinha defecado também lá. Gertrudes  deu um suspiro de ódio e colocou a galinha imediatamente  dentro do forno do fogão.

- Você continua torturando Marieta.

- Não chame esta galinha de Marieta

- Você não deve fazer esta coisa feia.

- Você não e a minha mãe.

Gertrudes  pegou  então a faca deu mais umas passadas no amolador.Olhou para Padma com os olhos fervendo.

- Os seus olhos estão cheios de ódio.

- É preciso certa dose de ódio, mesmo para matar uma galinha.

- Isto não tem uma boa energia.

- Esqueça , agora do que precisamos é energia calórica para cozinhar a Marieta...

- Ódio , não é bom.

- A morte é sempre traumática, mas como o que oferece depois é gostoso nós podemos vencer isto.

 - Se pode ser feliz sem isto.

-  sem uma galinha a cabidela não dá para ser feliz plenamente.

- Tudo depende de como queremos encarar  o universo.

 - Esqueça agora já enchi o meu coração de raiva, Marieta está condenada.


Padma disse suavemente:

- O ódio é um veneno sutil que destrói quem o fabrica e o guarda em suas prateleiras do coração. Uma simples desavença, um rancor simulado por trás de uma defesa de princípios vai se inoculando no dia a dia de modo imperceptível.

- Poupe o seu latim espiritualista, disse Gertrudes enquanto arrumava uma posição para começar o serviço.

- Quando anos depois vemos eclodirem  os efeitos destas  sementes de perturbação não será fácil lhes localizar a gênese. Parecerão que vieram do nada que apareceram em nossa frente por obra das parcas, criaturas mitológicas que tecem as nossas vidas. Às vezes nem nos damos conta de que guardamos alguns ódios em nossas prateleiras, às vezes até esquecemos que eles existiam. Somos por vezes  levados a crer que tudo já se desmanchou, mas não é bem assim que funcionam estas coisas. Uma vez que você construiu esta semente de energia mental, ela plantou-se em alguma parte dos jardins de sua alma e lá por qualquer motivo que lhe favoreça, até mesmo outros assuntos e de outras indisposições contra quaisquer outras pessoas,  serviram de alimento para aquela semente, e ela vai desabrochando e se conectando com outras,  que possuem elementos semelhantes, atraem-se umas às outras.

- Eu não acredito que por causa de uma galinha à cabidela eu esteja sendo condenada ao inferno.

- Por isso que perdoar,não é uma tarefa simplória da boca para fora. Jesus o divino mestre, já alertava para a necessidade de ir em busca daquelas pessoas com quem guardamos algum rancor e desmanchar isto.

- Eu não vou perdoar Marieta...

- O perdão envolve a ação de ir ao encontro da pessoa a quem dirigimos o nosso desafeto. No nosso mundo isto pode até parecer uma coisa de grande futilidade. Eu conheço algumas pessoas que acham tudo isso uma babaquice. O fato é que o ódio, o desamor, o egoísmo, criam pequenas bolhas que atrapalham o andamento da energia pessoal em direção ao divino e a liberdade de viver plenamente.

- Para a sua informação, querida Padma, Marieta é uma galinha, disse Gertrudes com ironia.

 - Antes que você diga que se pode viver no mundo somente às custas destes ódios, que esta é a regra, lembrando a máxima romana de estar preparado para guerra como condição necessária  para a paz,  ninguém vive em paz constantemente ameaçado pela guerra.

- Não é uma guerra. É uma receita de família, defendeu-se Gertrudes.

 - Hoje ao sair para ir ao mercado contigo para comprar Marieta vimos  as pessoas sendo inoculados pelo veneno do ódio coletivo;  ele se espalha numa rapidez tão grande que fica difícil  ficar imune à sua ação. Quando nos damos conta já entramos na roda de negatividades.

- Isto é idiotice...

- Eu tinha uma amiga que achava esta coisa de positividades uma besteira,  que o mundo era mal em essência e que as pessoas que não fossem nossas amigas eram todas imbecis e dignas de estarem nos quintos dos infernos.

- Esta amiga devo ser eu...

- O bom é que o tempo passará  revelando novas perspectivas e algumas mágoas irão se curar. A cura é algo unilateral, significando que cada pessoa é que cuida de sua sementeira de ódio, regando-a e adubando-a ou extraindo estas sementes  e destruindo-as.

- Galinha cabidela é um patrimônio cultural gastronômico, gritou Gertrudes.

- O ódio é pessoal, mesmo quando exercido dentro de uma coletividade e em nome dos mais sublimes ideais. O ódio é sempre o mesmo e a singeleza dos ideais não lhes modifica o lado tenebroso e as nefastas conseqüências. Há uma cultura do ódio como sendo a coisa mais chique e evoluída, discutem-se estratégias de guerra associadas às mais elementares tarefas sociais, em tudo as pessoas afiguram a possibilidade de uma batalha contra o mal representado pelo outro.

- Vá à merda!

- Esta energia alimenta e move a grande roda de catástrofes que assedia o nosso planeta. Antes que se diga que esse papo é espiritualista demais, assumo que é mesmo espiritualista, cristão,  mulçumano, judeu, budista e todas as crenças que dizem que  o amor pode vencer qualquer inconveniente.

- Pronto, chegou a hora, disse Gertrudes arrastando Marieta para o patíbulo culinário.

- O ódio não destrói somente a vida psíquica de uma pessoa, ele se materializa na vida física e no mundo ao redor. O ódio é sempre injustificável. Se pudéssemos ver como seriam  estas sementes de maldade veríamos elas primeiramente como uma bala de açúcar que esconde em suas camadas mais profundas o fel mais amargo. O ódio é revigorante a principio e somente mostra a sua potencia quando estes jardins de horrores começa  a exigir mais energia para se manterem.

- Padma, sai da minha frente agora...

- Por isso é um bom exercício fazer o que aconselhou Jesus: buscar sempre a reconciliação, não alimentar estruturas mentais que se prolongaram além da existência fisica paras os mundos mentais que somente as religiões e os estudos espiritualistas vislumbram.

- Eu não vou me reconciliar com Marieta.

- Admito que não é fácil, não odiar. É fácil ter inimigos. Difícil é amá-los, mas podemos insistir e inspirados em Jesus tentar fazer o melhor que pudermos.

- Meu Deus, tudo isto por causa de uma galinha.Os senhores sacerdotes não comem galinha à cabidela?  Arrematou Gertrudes.

Padma se retirou para a sala. Fez um silêncio de fim de mundo, mas o cacarejo de Marieta se continuou a ouvir. Padma teve a impressão de ouvir um choro baixinho vindo da cozinha.

24 de mar. de 2011

A DESCOBERTA

Eu não tenho um grande talento para contar piadas; aprendi umas duas que sempre repito.

Uma delas é a estória daquele sujeito que estava com uma ardência muito grande em seu pênis. Ele foi até o médico, contou  o seu caso e o doutor lhe receitou colocar o dito cujo órgão sexual num copo com leite todas as noites, deixando-o de molho por uns trinta minutos.

O sujeito voltou para casa e sem dar qualquer aviso à sua esposa, toda a noite ia para o banheiro, trancava-se lá e permanecia por trinta minutos.

A esposa, tímida, não quis fazer qualquer pergunta sobre qual o motivo destas permanências no banheiro. Ela ficava intrigada  com o novo comportamento do marido, mas de qualquer forma não reclamava, pois o mesmo estava cumprindo a contento com os seus deveres conjugais.

Mas certo dia, o marido no automatismo daquele ritual cotidiano esqueceu-se de fechar a porta. A esposa percebeu o deslize do companheiro e ficou planejando ir espreitá-lo pela fresta da porta. Ela matutou, calculou os riscos, mas enfim, vencida pela curiosidade, foi caminhando pé ante pé, como se flutuasse sobre uma fina camada de pó de arroz estendida pelo chão; ela tomava todas as precauções para que o marido não percebesse a sua intromissão em sua atividade secreta.

Ela aproximou cuidadosamente o rosto e foi lentamente procurando a figura do homem dentro do ambiente até encontrá-lo numa situação desconcertante. Ele estava recostado com a cabeça à parede sobre o bojo do aparelho sanitário que estava com a tampa fechada e sobre ela um copo de leite e dentro do corpo o bilau do marido, flácido, e mimosamente sendo movimentado, ora em círculos, ora de cá pará lá como se fosse o badalo de um sino. Ela foi tomada de severo espanto. Voltou para a cama  com todo cuidado, deitou-se e ficou com aquela cena estranha em sua cabeça. O marido veio, fez as vezes de marido e ela permaneceu em seu silêncio sepulcral com aquela descoberta entalada em seu juízo.

Então no dia seguinte, procurou a sua melhor amiga para fazer uma confidência , a amiga como todas as amigas, adoram compartilhar os detalhes mais íntimos umas com as outras. As mulheres são assim mais livres e conversam tudo de suas intimidades umas com as outras, os homens sabem que é constrangedor estar com as melhores amigas de sua esposa, pois elas lhes radiografam, ou melhor hoje elas lhe tomografam computadorizadamente. Diz um colega que esta é a grande vingança feminina. O fato é que a esposa e sua melhor amiga foram para um lugar mais reservado, e depois de muitos arrodeios ela disse:

- Amiga, descobri algo que você nunca, nunca sequer imaginou...

A amiga arrepiou todos os neurônios e aguçaram-se os seus instintos. A esposa continuou a fazer um grande suspense.

Há um código feminino que mereceria um tratado de semiótica para estudar esta palavra "amiga". Disse a esposa:

- Amiga eu descobri tudo.

A pobre amiga já não podia se conter e colocou uma série de hipóteses indo desde a infidelidade conjugal até um possível prêmio ganho em uma loteria.

- Uma bomba, acho que você nem imagina como funciona o teu marido, disse a esposa.

A amiga contraiu o coração. De que se trataria aquela revelação, afinal?

- Amiga, de uns tempos para cá eu notei o meu marido com um comportamento estranho e demorando-se mais um pouco no banheiro. Antes eu não tinha notado nada de estranho, eu sempre me jogava na cama querendo me esquecer de todas as coisas que ocorriam na casa...

Então foi a vez da amiga dizer:

-Amiga assim você me mata de curiosidade.

-Amiga, eu aproveitei um dia que ele havia deixado a porta entreaberta e fui cuidadosamente observar o que estava acontecendo e quando me aproximei, vi que ele estava recostado a parede com Dick dentro de um copo de leite.

- Dick? Estranhou a amiga...

- O nosso amiguinho, esclareceu a esposa fazendo um gesto que em outra ocasião poderia ser tomado como uma obscenidade.

-Não diga...

- Pois é amiga, faz 25 anos que sou casada e não sabia que esta coisa se enche como uma caneta tinteiro.

A amiga fez cara de estupefação.

- Nem eu...

- Um copo de leite!

E cada vez que encontravam os olhares relembravam:

- Um copo de leite!

E as duas riram-se até não poderem mais conter a bexiga.

18 de mar. de 2011

COREOGRAFIA

Ana entra contando sete passos.

(Traz consigo uma bolsa de pano suficientemente grande para conter algumas bugicangas)

 Ela oscila dando um passo para frente e outro para trás por três vezes.

Pára.

Respira fundo e olha para os lados  deixa a cabeça cair.  

Senta-se no chão sobre a sacola.

 Respira profundamente três vezes.

Fica estática.

Então salta um pouco com o quadril para cima empurrada por algo que está dentro do saco.

Ela bate no saco.

Fica parada e gira a cabeça ao redor do pescoço, um giro lento.

Depois dois giros mais rápidos para o lado oposto.

Depois gira mais três vezes para o outro lado e mais rápido e ao final deste giro do pescoço,
O próprio tórax também gira fazendo o tronco girar em torno da cintura.

Salta mais alto com o quadril como sendo empurrada pelo saco.

Cai e continua rodando com o tronco e um salto mais alto a põe de joelhos com o saco entre as pernas.

A perna direita se estende para o lado indo o mais longe que pode e a sua cabeça é atraída para a ponta do 
pé direito, o corpo se curva para cumprir este movimento.

Ela cai jogando o corpo para frente e deixa-se espalhar pelo chão formando um imenso “X”.

O seu quadril começa a pulsar numa freqüência de 7 ciclos por minuto, em cima e embaixo, como se estivesse fazendo sexo com o chão.

O seu braço esquerdo começa a pulsar em direção ao alto numa freqüência de 7 ciclos por segundo, como se estivesse batendo a massa para fazer biscoitos.

 O seu braço direito começa a pulsar numa freqüência de 7 ciclos por segundo, batendo o chão como se batesse na água de uma bacia.

A sua perna direita começa a pulsar numa freqüência de sete ciclos por segundo, depois a sua perna esquerda pulsa igualmente.

Todo o corpo se joga para cima e para baixo num frenesi.

Num instante põe-se de pé e a sua cabeça é puxada à altura de sua cintura para frente,
Puxada pela cabeça por um senhor invisível,
Ela circula o palco puxada pela cabeça.

Para diante do saco e cai de joelhos,
Os seus braços são arrastados para frente rentes ao chão, e sua cabeça bate no palco num ritmo de 7 ciclos por minuto, durante três minutos.

Levanta o rosto e ele está encharcado de sangue. 

Ela gira em direção ao lado oposto ao saco, e lambe o sangue que lhe escorre pelo rosto, os seus braços estão inertes e parecem estarem desligados.

 Então subitamente ela é arrastada para cima puxada pelos cabelos e fica na ponta dos pés, e saltitante em equilíbrio precário é arrastada violentamente para esquerda e arremessada contra uma parede invisível, ela sente o impacto da parede e o seu corpo estremece.

Ela cai e fica inerte, e dá três respirações profundas.

 Então subitamente é erguida pelos cabelos e ficando na ponta dos pés é arrastada de forma sinuosa e serpenteando em círculos por uma vez, depois mais veloz na segunda volta e depois mais veloz ainda na terceira volta e é arremessada contra uma parede invisível no lado direito.

Ela sente o impacto e cai no chão, fechada como um feto, com o corpo totalmente encolhido.

Respira profundamente três vezes.

Pára por um minuto.

 Nada acontece  por mais outro minuto.

Então seu corpo começa a oscilar para um lado e para o outro, primeiro em três ciclos por minuto.

 Pára. Um minuto imóvel.

 Então começa a oscilar com mais vigor em cinco ciclos por minuto.

Para  e por um minuto mais nada acontece.

Então começa a oscilar com mais vigor num ciclo de 7 ciclos por minuto.

Num instante põe-se de pé e anda para trás doze passos contados e lentos.

Depois anda em zig-zag por mais doze passos abertos em máxima distancia entre o pé esquerdo à esquerda e o pé direito à direita a frente.

Salta para uma posição com os dois pés juntos.

 O pé direito coça o pé esquerdo sobe até o joelho e coça o joelho,
A cabeça baixa-se e o pé coça a cabeça.

Ela pára e ergue o rosto e abre a boca como numa risada afônica em câmera lenta.

Volta-se para o saco e aponta-lhe o indicador direito e oscilando-o para cima e para baixo em movimento largo, faz algo como uma repreensão.

 Então se volta, leva as duas as mão aos cabelos e os assanha e jogando os braços para o ar deixa-os cair sobre o saco, ergue-o e colocando-o  nas costas  dá três grandes passos, quase saltos para fora de cena.