Monólogo de J. Ballee.
Hoje tive uma conversa com
uma pessoa desconhecida sobre a angústia. Ela aproveitou um momento de solidão
num dos bancos de um shopping da cidade. Eu estava lá absorto olhando para a
vitrine de uma loja.
Ela disparou a pergunta:
“Posso fazer uma pergunta?”
“Claro”, Respondi.
“Você sabe o que é ter
angústia?” Ela indagou.
Eu pensei comigo que iríamos ter um daqueles papos terríveis sobre
as dores da alma do mundo e todo um rosário de queixas.
“Um pouco”, eu disse encurtando
a conversa e também querendo encontrar uma desculpa para levantar-me e ir
embora. Eu gosto de estudar psicanálise, mas daí a ficar como cobaia de
analista vai uma grande distancia. Também resolvi que não citaria nem um
teórico importante, nem Freud, nem Melanie Klein, nem Winnicott, nem Bion, nem Lacan
e nem muito menos a sabedoria popular.
Fiquei calado, mas a pessoa disparou uma fala
sem que eu pudesse sequer dizer qualquer coisa. Então nestes casos o melhor é brincar
de estátua para que o outro se levante e vá embora, mas não funcionou.
A pessoa começou me falando
que tanto fazia que alguém definisse a angustia, porque ela era uma experiência
muito pessoal, que cada pessoa vive quase secretamente e que mesmo quando se
esforça para que os outros se compadeçam de suas angústias; ela é completamente
inacessível ao outro.
Também disse que a angustia não é algo com a
qual não se possa conviver e aproveitar o máximo.
“Alguém sem angustia está
inevitavelmente morto”, concluiu.
Passamos algum tempo em
silêncio. Então Ela continuou:
“Agora, existem vários
tipos desta coisa e cada um escolhe qual é aquela que lhe dá sabor à vida.
Todos podem aprender a controlar, a tornar as suas angustias algo aceitável
socialmente.
Bati as mãos com força em
minha cabeça para entender se estava acordado. Ela arrematou:
“Não adianta ficar batendo
com a cabeça na parede. As angustias são feitas de um material que não
sobrevive ao teste da presentificação; quando se coloca as coisas no palco e se
age de acordo com as regras do jogo a angustia é somente mais uma coisa que
podemos controlar; é como um estado de agonia daqueles que se tem quando a
montanha russa faz a sua descida mais íngreme. Ter angústias é algo plenamente
normal.”
Ela pediu que eu olhasse
para as pessoas e filosofou:
“Somente quem não tem angustias
é o manequim á nossa frente, a gente fica julgando o nosso mundo interior
achando que todos os outros são ocos e não tem qualquer angustia. Ninguém sabe
a dor do outro. Estão sorrindo, consumindo, vestindo roupas caras, mas ninguém
lhes conhece o intimo. Então, o melhor é aprender a ser como se é, e negociar
consigo mesmo. É claro que existem coisas que não ficam claras na nossa mente
então é necessário a ajuda de profissionais
da área, mas para o feijão com arroz se pode tirar proveito desta grande
faculdade da vida, ter angustias. Elas são constitucionais do existir, e pode
verificar que elas estão em todos os lugares, em todos os momentos, o que acontece
é que algumas pessoas se viciam em angustia e principalmente em angustiar os
outros. Isto existe e é algo que merece tratamento. Você deve estar achando que
eu não tenho a menor educação vindo aqui e disparando todas estas coisas para você,
posso lhe chamar de voce?"
Eu assenti com a cabeça.
Ela disse:
“Então não devo mais
importunar você. Eu aprendi estas coisas e agora quando vi você, senti uma
vontade imensa de dizer isso. Desculpa o incomodo.”
A pessoa levantou-se e
escafedeu-se. Depois desta vomitada toda de angustia, eu ainda esbocei um
pensamento, mas depois tive uma reação estranha, fiquei limpo, sem angustia
alguma, sem qualquer sensação de incômodo. Levantei e fui caminhando pelos
corredores de lojas, olhando para ver se via a pessoa, perscrutando como um
detetive, olhando meio de soslaio como um investigador. Seria interessante ver
a doutora angustia por aí fazendo outras coisas. Fiquei com uma impressão
interessante de que a angustia depende de uma plateia, mesmo a plateia interna,
depois uma plateia externa.
A angustia
não existe sozinha ela é produto de monte de coisas que rolam em nosso
interior. O engraçado foi que sair em busca da angustia deixou me angustiado,
mas quem se importava com isso ninguém mais teve acesso aquela experiência. O
fato é que guardei a experiência comigo.
E quando uma angustia muito grande me assalta eu deixo que ela aconteça,
sinto como se manifesta e então procuro viver com ela, usar a sua energia, e se
for muito intensa transfiro as minhas
ações para uma agenda detalhada e executo tudo com muito cuidado e assim a
angustia pode ser levada para passear. Viver com os outros é melhor do que
estar só.