30 de jul. de 2012

ENCONTRO COM A ANGÚSTIA


Monólogo de J. Ballee.

Hoje tive uma conversa com uma pessoa desconhecida sobre a angústia. Ela aproveitou um momento de solidão num dos bancos de um shopping da cidade. Eu estava lá absorto olhando para a vitrine de uma loja.

 Ela disparou a pergunta:

“Posso fazer uma pergunta?”

“Claro”, Respondi.

“Você sabe o que é ter angústia?” Ela indagou.

 Eu pensei comigo que  iríamos ter um daqueles papos terríveis sobre as dores da alma do mundo e todo um rosário de queixas.
“Um pouco”, eu disse encurtando a conversa e também querendo encontrar uma desculpa para levantar-me e ir embora. Eu gosto de estudar psicanálise, mas daí a ficar como cobaia de analista vai uma grande distancia. Também resolvi que não citaria nem um teórico importante, nem Freud, nem Melanie Klein, nem Winnicott, nem Bion, nem Lacan e nem muito menos a sabedoria popular.

 Fiquei calado, mas a pessoa disparou uma fala sem que eu pudesse sequer dizer qualquer coisa. Então nestes casos o melhor é brincar de estátua para que o outro se levante e vá embora, mas não funcionou.

A pessoa começou me falando que tanto fazia que alguém definisse a angustia, porque ela era uma experiência muito pessoal, que cada pessoa vive quase secretamente e que mesmo quando se esforça para que os outros se compadeçam de suas angústias; ela é completamente inacessível ao outro.

 Também disse que a angustia não é algo com a qual não se possa conviver e aproveitar o máximo.

“Alguém sem angustia está inevitavelmente morto”, concluiu.
Passamos algum tempo em silêncio. Então Ela continuou:

“Agora, existem vários tipos desta coisa e cada um escolhe qual é aquela que lhe dá sabor à vida. Todos podem aprender a controlar, a tornar as suas angustias algo aceitável socialmente.
Bati as mãos com força em minha cabeça para entender se estava acordado. Ela arrematou:

“Não adianta ficar batendo com a cabeça na parede. As angustias são feitas de um material que não sobrevive ao teste da presentificação; quando se coloca as coisas no palco e se age de acordo com as regras do jogo a angustia é somente mais uma coisa que podemos controlar; é como um estado de agonia daqueles que se tem quando a montanha russa faz a sua descida mais íngreme. Ter angústias é algo plenamente normal.”

Ela pediu que eu olhasse para as pessoas e filosofou:

“Somente quem não tem angustias é o manequim á nossa frente, a gente fica julgando o nosso mundo interior achando que todos os outros são ocos e não tem qualquer angustia. Ninguém sabe a dor do outro. Estão sorrindo, consumindo, vestindo roupas caras, mas ninguém lhes conhece o intimo. Então, o melhor é aprender a ser como se é, e negociar consigo mesmo. É claro que existem coisas que não ficam claras na nossa mente então é necessário a ajuda de profissionais  da área, mas para o feijão com arroz se pode tirar proveito desta grande faculdade da vida, ter angustias. Elas são constitucionais do existir, e pode verificar que elas estão em todos os lugares, em todos os momentos, o que acontece é que algumas pessoas se viciam em angustia e principalmente em angustiar os outros. Isto existe e é algo que merece tratamento. Você deve estar achando que eu não tenho a menor educação vindo aqui e disparando todas estas coisas para você, posso lhe chamar de voce?"

Eu assenti com a cabeça.

Ela disse:

“Então não devo mais importunar você. Eu aprendi estas coisas e agora quando vi você, senti uma vontade imensa de dizer isso. Desculpa o incomodo.”

A pessoa levantou-se e escafedeu-se. Depois desta vomitada toda de angustia, eu ainda esbocei um pensamento, mas depois tive uma reação estranha, fiquei limpo, sem angustia alguma, sem qualquer sensação de incômodo. Levantei e fui caminhando pelos corredores de lojas, olhando para ver se via a pessoa, perscrutando como um detetive, olhando meio de soslaio como um investigador. Seria interessante ver a doutora angustia por aí fazendo outras coisas. Fiquei com uma impressão interessante de que a angustia depende de uma plateia, mesmo a plateia interna, depois uma plateia externa.

A angustia não existe sozinha ela é produto de monte de coisas que rolam em nosso interior. O engraçado foi que sair em busca da angustia deixou me angustiado, mas quem se importava com isso ninguém mais teve acesso aquela experiência. O fato é que guardei a experiência comigo.  E quando uma angustia muito grande me assalta eu deixo que ela aconteça, sinto como se manifesta e então procuro viver com ela, usar a sua energia, e se for muito intensa  transfiro as minhas ações para uma agenda detalhada e executo tudo com muito cuidado e assim a angustia pode ser levada para passear. Viver com os outros é melhor do que estar só.