Raulzito entrou em casa ofegante. A sua mãe tomou um susto.
- Que foi isso, menino. Ela disse.
- Quero um carro de controle remoto. Foi a resposta rápida de Raulzito.
- Controle de quê?
- Um carro que anda sozinho.
- Meu filho, isto é muito caro, conforme-se com o que tem. Finalizou a mãe.
A novidade se espalhara pela Praça. Todos os meninos ficaram maravilhados com o carro movido a controle remoto que havia sido ganho pelo filho do juiz da comarca. Era algo mágico, um carrinho que dispensava o cordão e que movimentava-se solitário pelo circuito de ruas e avenidas riscados no chão. Raulzito imaginou de imediato que merecia um daqueles, pois fora aprovado por média em todas as disciplinas. No entanto o orçamento familiar não comportava aquele mimo naquele instante.
Raulzito não se conformou. Foi até o quarto de Tia Preta, uma irmã de sua mãe, que morava com a familia havia muitos anos. Ela estava cozendo fuxicos, aquelas trouxinhas circulares de pano, que seriam costuradas em grandes colchas e presenteadas às sobrinhas que fossem casando.
- Tia preta eu preciso de 200 cruzeiros, disparou Raulzito.
- Prá quê você quer tanto dinheiro menino? Ela perguntou.
- Para comprar um carro de controle remoto.
- Eu não tenho, só ganhando no bicho.
Raulzito teve uma iluminação. Ele já tinha acompanhado a sua Tia preta várias vezes até a Banca de Dona Dida para apostar na milhar.
Raulzito vasculhou o cofrinho, coletou alguma moedas. Saiu de casa tão calado que a mãe ficou desconfiada.
- Que foi que houve Raulzito? Ela perguntou com um ar de preocupação.
- Nada não. Foi a resposta do menino e chispou porta afora.
Ele aproximou-se da Banca de Dona Dida e disse:
- Dona Dida eu quero ganhar 200 Cruzeiros no bicho.
- Você quer o quê, menino?
Raulzito pensou em como os adultos não levam a sério as crianças.
- Eu quero comprar um carrinho que custa 200 cruzeiros.
- Virge Maria, é muito caro, ela disse.
- Posso jogar?
- Somente se for acompanhado pela sua mãe, ou pela sua Tia.
- Foi ela quem me mandou vir. Ele mentiu.
- Bem, neste caso, vou ver o que posso fazer. Deixe-me ver quanto você tem? 20 cruzeiros! Se jogar na milhar dá para ganhar um bom dinheiro. Você trouxe o número? Perguntou Dona Dida.
- Não.
- Precisa de um número!
- E como eu consigo um número?
Neste instante, um velho frequentador da banca, Dr. Waldemar, interferiu na conversa.
- Tem que sonhar com o número; uma alma do outro mundo precisa dizer para você qual o número premiado. Ele disse.
- Não assuste o menino. Ponderou Dona Dina.
- Eu não tenho medo de alma, pode falar. Aparteou Raulzito.
- Você precisa perguntar, de preferência, à alma de alguém que tenha morrido recentemente, pois ela ainda está meio lá e meio cá e pode ajudar nesses casos. Você deve ir dormir na casa do récem falecido e antes de deitar deve dizer, que se ele lhe disser o número da milhar você manda rezar três missas em sua intenção. Dr. Waldemar completou a explicação esperando uma reação de mêdo do menino.
- Só isso? Foi a reação de Raulzito, que pegou o dinheiro de volta e saiu em disparada.
- Acho que esse menino vai aprontar uma traquinagem. Disse Dr. Waldemar arrependido.
Raulzito voltou para casa procurou a mãe e disse:
-Mãezinha, eu posso ir dormir na casa de Tia Isaura?
- Mãezinha?! O que foi que você fez desta vez, Raulzito?
- Nada! Eu posso ir ?
- Se não chegar nehuma reclamação até ao final da tarde, então pode ir. Foi a sentença da mãe.
Raulzito voltou para o seu quarto, colocou uma camisa e uma bermuda numa sacola, o lápis e o caderno. E ficou todo o restante da tarde deitado na cama pensando nas manobras que faria com o seu carro a controle remoto.
Quando o sol dava os últimos lampejos do dia, Raulzito procurou a mãe.
- Posso ir? Eu quero ficar com a Tia Isaura, pois fico com pena dela depois que Tio Alfredo morreu.
- Vá pela calçada. Tenha Cuidado. Disse Dona Cecília que ficou emocionada com a atitude altruísta do filho. Ele parecia muito arteiro às vezes, mas no fundo de sua alma, era um bom menino, ela pensou.
A tia Isaura recebeu o menino com a festa de sempre. Preparou-lhe uma cama no quarto de hóspedes. Viram as novelas de televisão juntos. Ela lhe contou estórias antigas até que o sono chegou.
- Hora de dormir! Ela disse.
- Eu estou com muito sono também, dissimulou Raulzito.
Quando todas as luzes se apagaram, Raulzito se põs de joelhos ao lado da cama e rezou um Padre- Nosso, uma Ave-Maria e arrematou:
- Tio Alfredo, eu sei que o Sr. é muito chato, mas nós podemos fazer as pazes agora, se me disser o número premiado eu mando rezar três missas seguidas em sua intenção.
Raulzito deitou-se e entregou-se ao sono. O tio Alfredo se impacientava com as diabruras do menino. Eles não tiveram uma relação muito amistosa, mas agora, despido de suas dores corporais, foi até a cabeceira da cama, em seu corpo fantasmático, um pouco enternecido com a inocência do pequeno.
- Raulzito, você me chamou? Disse o Tio.
- Qual o número? Disse Raulzito num sobressalto, sentando-se na cama.
- 1309, revelou o tio.
- Eu preciso anotar em meu caderno.
- Você não irá esquecer, eu prometo, mas quero em troca, que além das três missas, venha todas as semanas passar uma noite com a sua tia.
- Fechado! Raulzito selou o acordo.
No manhã seguinte, Raulzito despertou disposto, com aqueles números claros em sua mente, que anotou rapidamente no caderno. Logo depois do café, foi até a banca de Dona Dida e jogou os vinte cruzeiros na milhar.
Mais tarde Dona Dida chegou à casa de Dona Clara com as boas notícias de que o menino havia ganho muito dinheiro na milhar. Raulzito cumpriu as promessas que fez para o Tio Alfredo e contetou-se com o carro de controle remoto; o restante do dinheiro a familia comprou uma pequena granja.
Na Praça podia-se ver dois carros livres e independentes movendo-se pelo traçado imaginário de uma cidade.
OFICINA DE TEATRO NO LIMA PENANTE
Há 3 meses