11 de abr. de 2020

ZUMBIS EM JAMPA

Era noite, uma daquelas noites frias de Jampa. Você que não é de Jampa deve estar se perguntando onde fica este lugar. Bem, fica aqui na cidade de João Pessoa; é um mundo paralelo, tão colado ao mapa original que até alguns pontos turísticos da cidade ostentam um letreiro de madeira com os dizeres “Eu amo Jampa”. Há os que dizem que é uma alusão a Sampa, canção de Caetano Veloso em homenagem a São Paulo; outros defendem que é uma homenagem aos jambeiros do Bairro de Jaguaribe; uns poucos dizem que é por causa de Tampa, cidade da Flórida na América do Norte onde sonham morar.Uns últimos galhofeiros acham que é por causa da rima.

Voltemos a Jampa, para uma noite na qual o clima estava indeciso, se chovia ou não, e as estrelas no céus jogavam aquele charme estranho entre as nuvens. Um vento frio e intenso sibilava pela janela do ônibus. Eu estava recostado ao vidro curtindo a beleza da cidade, que é tão agradável; passamos pela lagoa do Parque Solon de Lucena, que após as reformas, que a deixaram ainda mais bonita, tornou-se uma jóia que vai sendo redescoberta pela população.

O ônibus fez a curva para descer a avenida do viaduto da Miguel Couto, sempre uma experiência estranha, vezes ou outra me sentia como partindo para coisas fora da realidade; quando entrava pelo buraco daquele viaduto, via passar pelas janela as pinturas de Chico Ferreira, enquanto o veículo enfiava-se no chão e o casario ia ficando na superfície. Era uma experiência muito estranha, como se afundasse em um portal.

Altas horas e naquele horário o ônibus estava quase vazio, uma sensação de solidão e sempre aquele desejo de chegar logo ao outro lado; entramos na parte mais escura do túnel que passa por baixo de um Centro Comercial conhecido como “terceirão”. Eu ficava imaginando o que estaria acontecendo lá em cima enquanto uma vida passava por baixo. O motorista conduzia o ônibus desembestado como sempre, até parecia que estávamos num brinquedo de parque de diversão. O coletivo saiu da escuridão e avistei as costas do prédio do Theatro Santa Roza; do lado direito a silhueta da cidade antiga.

O motorista freou bruscamente nos jogando a todos como em um liquificador, para um lado, e para o outro, até batermos na parede de um edifício que ficava em frente onde tinha escrita a pichação: “kiss my ass”. 

O meu reflexo estava distraído; fui tomado de surpresa e jogado para a frente com violência. Sofri uma escoriação no braço que estava colado a janela. Tive pouca sorte.

Já um outro passageiro; vou chama-lo de Eduardo; era um homem forte, estatura alta, cerca de um metro e oitenta, aparentava 40 anos; parecia que estava atento aos modos do motorista antecipando-se e reagindo ao acidente, de modo que não sofreu nada. 

Já uma moça, que chamarei de Luna, aparentemente frágil,cerca de 21 anos, pele muito branca, cabelos negros longos, seios grandes em um decote sensual que revelava uma tatuagem entre eles, lábios pequenos e bem desenhados pintados com um batom de intenso vermelho. Dá para perceber que quando entrei no ônibus a figura dela chamou-me a atenção. Ela estava sentada mais atrás e eu preferi ir para os assentos da frente próximos ao motorista. No momento do desastre ela foi jogada para a frente indo parar próximo ao parabrisa frontal. Ela machucou-se muito, mas não tinha nenhuma fratura; um corte na testa molhava o seu rosto de sangue.

Todos os passageiros estavam em choque.

O motorista havia desmaiado.

No ar apenas um zumbido, semelhante àquele que escutamos quando batemos com a cabeça em algo. O que vou contar a partir de agora é algo que aconteceu em Jampa; provavelmente isso jamais ocorreria em João Pessoa. Não é seguro para os objetivos turísticos da cidade que coisas assim aconteçam.

Este foram os fatos.

Luna mesmo machucada percebeu que um zumbi subia no ônibus. Ela pegou uma pistola, que trazia no bolso da jaqueta jeans e atirou, mas falhou.

O zumbi dirigiu-se para mim, pois o motorista estava apagado; não lhe deu atenção. A criatura morta-viva, que poderia ter saído de um filme de Zé do Caixão, agarrou-se a mim tentando morder-me. Eu dei-lhe alguns chutes afastando-o um pouco.

Eduardo, que estava mais atrás, jogou uma maleta artesanal de madeira, dessas que se vende na feira da cidade de Campina Grande. É um objeto duro. Ele mirou na cabeça, mas errou o alvo, então eu bati no zumbi com a barra da marcha de câmbio deixando-o um pouco atordoado.

Luna atirou e novamente errou. Eduardo recuperou a maleta e recuou para o fim do ônibus próximo a janela  de emergência. O zumbi continuou se aproximando.

Eu vi próximo a Luna uma daquelas estrelas com lâminas usadas nos filmes de lutas marciais chamados Shuriken. Peguei-o e atirei no zumbi que ficou um pouco mais lento com aquela coisa gravada na testa.

Eduardo pediu a arma a Luna. O monstro continuava vindo. Eduardo com grande habilidade segurou a arma e já foi acertando o bicho do mal, que recuou saindo do ônibus abalado. Luna pediu a arma de volta e atirou terminando de matar a coisa.

Respirei aliviado, mas quando saí do ônibus vi que havia mais três zumbis se aproximando.

Luna fez dois disparos e matou o mais próximo. Os outros dois continuaram se aproximando. Então Eduardo ajudou Luna a sair do veículo. Luna me passou uma arma elétrica; eu disparei-a, mas somente fez cócegas no cachorro da mulesta. Vou explicar isso, “cachorro da mulesta” é uma expressão nordestina, multi-uso, que pode ser aplicada a pessoas e situações desagradáveis. Eu pensei comigo mesmo; “estou ferrado”. Aquela coisa me agarrou, e eu me sacudia tentando me lembrar das artes marciais cinematográficas. Luna atirou acertando o ombro do Zumbi. Fiquei gelado; ela podia ter me acertado. Mas aproveitei o impacto do tiro e me desvencilhei. Gritei para Eduardo me socorrer. Ele então pegou a barra da marcha de câmbio que estava caída por ali e esmagou o zumbi. Estávamos tão atônitos que esquecemos da moça. Escutamos os gritos dela tentando nos avisar do terceiro zumbi. Ela atirou matando a coisa. 

Então Eduardo começou a falar com Luna sobre a invasão de criaturas das sombras. E eu não entendia nada daquele papo. 

Nisto, um outro zumbi veio da cerração. “Devem existir muito mais” disse Eduardo . Luna atirou, e errando o alvo o zumbi aproximou-se de modo que ela colocou a pistola dentro da boca dele e disparou até que a cabeça do ser diabólico estourasse; o corpo  caiu como uma estaca quebrada.

Escutei quando Luna disse que era esperado um ataque em Jampa, enquanto isso chegaram rápido dois furgões  que levaram os corpos dos zumbis. 

Somente algum tempo depois é que se aproximaram os curiosos, a polícia e os carros de socorro. Não houve mais testemunhas.  O fato é que eu nunca mais me arrisquei a andar por lá naquele horário. E se aquilo for mesmo um portal? Se alguém quiser se arriscar que vá por sua própria conta. Em Jampa acontecem coisas estranhas...