25 de mar. de 2020

A GEMA AZUL

Eu estou compartilhando isso aqui porque esta estória me deixou inquieto com o destino de algumas pessoas. Tem muitos que acreditam nas estrelas, outras em cartas e outras em algum sortilégio.

Eu tinha ido comer um cachorro-quente na Mundial Lanches, que fica no bairro de Jaguaribe; e enquanto esperava não pude deixar de escutar a conversa de duas pessoas que estavam à minha frente. Lá, nesta lanchonete, o balcão de atendimento é uma curva em formato de “U” que deixa os clientes muito próximos, quase íntimos; também me refiro a pessoas de forma indistinta para não comprometer a privacidade de ninguém.

Estou escrevendo porque ainda estou com o meu cérebro remoendo o que escutei; e um modo de curar estas lembranças persistentes é desabafar de alguma forma; foi isso o que me disse uma psicóloga a que fui consultar.

Somente um último esclarecimento antes de contar o que ouvi. Aqui na Paraíba, nesta cidade de João Pessoa, chamamos de cachorro-quente completo uma iguaria feita de pão, salsicha carne moída, verduras picadas, azeitona, ovo de codorna, batata palha, queijo ralado, maionese, molho de tomate ketchup e mostarda amarela; o simples não tem a salsicha. Eu sei que esta é uma informação completamente inútil, mas não custa nada.

Vamos ao que escutei. Tratava-se de uma pessoa que contava a estória que teria ocorrido com alguém que ele conhecia. Vou usar o nome inspirado no livro Assassinos Renascença. Contava-se a estória de Ezio, um fora da lei. Deixemos que vocês mesmos escutem aos fatos como foram narrados.

***

-Imagine você que eu estava em casa quando Ezio chegou esbaforido e me pediu para entrar. É claro que eu fiquei muito assustado, pois sempre que ele vem desta maneira com certeza a polícia ou outros estão perseguindo-o. Ele não veio pela porta, mas pela janela lateral de minha sala que dá para o telhado da vizinha.

- E ele não tem juízo não?

- Algumas pessoas tem os dois neurônios desafinados.

-É o caso dele.

 - Pois é, ele saltou em minha sala e foi falando rápido:”Você sabe que eu tenho problemas com a lei”.

 Eu disse: Eu sei que você é um cara errado, que se envolve em várias coisas que lhe trazem muitos infortúnios. Então ele me disse que tinha caído numa armadilha do destino.

Ele disse: “Cara, eu fiz uma sacanagem dupla com o meu pessoal”. E como foi isso? Perguntei.

“Foi assim”,ele explicou: “Eu estava com remorsos por ter passado a perna nos irmãos.”

Eu não me contive e disse que ele era incorrigível cometendo uma transgressão com o seu próprio bando, quebrando as regras e atraindo para si uma punição mortal.

Ele amenizou e disse que tinha feito algo para reparar os danos.Pediu um prazo para consertar o erro.

E neste tempo arranjou um emprego de garçom. O bar é um lugar ideal para escutar segredos inconfessáveis. Nisto, entre cervejas e tira-gostos, sempre atento a embriagues dos clientes ele conheceu uma pessoa que falava de certas pedras preciosas, uma coleção valiosa de uma certa gema azul.

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Nisto chegaram os cachorros-quentes deles. Eles esqueceram a conversa e abocanharam a comida com uma selvageria natural. Eu até acho que deveria se comer cachorros quentes assim, pois tem gente que come com garfo e faca e com uma etiqueta que não pertence a iguaria. Penso que isto é mania de pessoas de simularem que estão em um restaurante de gente endinheirada, que adora comer aparência. Não deixa de ser engraçado ver estas criaturas comendo com tanta cerimônia para não se misturarem com os outros seres humanos. Mas isto foi somente uma pausa, logo mais o modo de comer um cachorro-quente revela muito sobre o caráter de uma personagem. Mas e a gema azul? Agucei os meus ouvidos para decifrar o que falavam em meio a mastigação.

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- Ele disse que o cliente já bêbado falou que tinha réplicas de todas as jóias, que ficavam guardadas em um cofre na sala de jantar, disponível para os ladrões, caso alguém conseguisse entrar em sua casa que era cercada de toda a parafernália de segurança, cerca elétrica, alarme, câmeras e um cachorro assassino solto no terreno. Mas as jóias verdadeiras estavam guardadas em um outro cofre que ficava debaixo da máquina de lavar na área de serviço.

- Ele fez o roubo?

- Sim, planejou cuidadosamente, roubou as pedras e repassou para o seu bando como forma de compensar os erros cometidos no passado.

-Então tudo terminou bem no caso do roubo.

- Não, porque o homem trocou as pedras e ele levou as falsas. Agora a polícia quer encontra-lo porque foi identificado nas câmeras de vigilância e o seu bando se deu mal tentando vender as pedras falsas. A manchete do jornal dizia que as gemas azuis verdadeiras haviam sido roubadas.

- Eu vi isso na televisão, disse o outro.

***

Fiquei sem saber o final da estória; já tinha comido bastante; estava empanturrado e não conseguia mais traduzir a fala que vinha misturada com a mastigação. Tinha ido ao Caixa para pagar a minha conta quando escutei  que o narrador pedia quatro cachorros-quentes completos para viagem. Saí rápido sem olhar para trás.