31 de dez. de 2017

VÔMITO OLÍMPICO

Tem dias que a maré não está para peixe. E naquele manhã tudo parecia estar fora do lugar para Kátia. Ela não conseguia acertar com os pés no chão, nada nem qualquer coisa estava no lugar e sua vida parecia a coisa mais besta do mundo. Levantou-se da cama, pensou que poderia estar chovendo lá fora o que justificaria o seu mal estar, nem se lembrava se tudo aquilo que estava sentindo era o resultado de algum pesadelo, decidiu que que aqueles eram sentimentos que iriam ficar somente para si mesma. Foi até a cozinha e encontrou Elizabeth já fazendo o café.

- Bom dia!!! Disse-lhe sua amiga Elizabeth.

Não sabia se devia responder, havia somente uma vaga recordação das coisas da noite anterior. Fez um gesto com a cabeça concordando. Cada neurônio em seu cérebro parecia uma peça do jogo eletrônico Tetris, caindo de algum lugar procurando lentamente se encaixar.

 “Será que ainda estou sonhando?” Pensou que ainda poderia estar dormindo, pois já lhe acontecera de sonhar que estava acordada e perceber que estava imersa no mundo de Morfeu, o deus do sono. Mas o cheiro de café forte e os ovos mexidos com bacon retiravam a ilusão de sonho. Parecia real. Era real.

- Lembra de algo? Perguntou Elizabeth.

- Do que deveria lembrar?

- Deixa estar. Aqui está o café...

Tomou um gole forte, bebida boa, encorpada, mexida com açúcar mascavo e canela. O liquido quente tocou-lhe a língua. Uma lufada de vento entrou pela janela do apartamento e jogou-lhe os cabelos na cara. Afastou-os com os polegares e neste instante abriu-se uma tela de cinema em sua mente, teve até as badaladas que se tocavam antigamente antes de começar um filme, poucos se lembram que antes de um filme começar avisava-se ao publico com certa solenidade através de um toque especial, mas ali era a sua cabeça que estalava, e então, iluminada pela memória as cenas começaram a correr à  sua frente.

 Viu quando, na noite anterior, chegavam a uma festa de despedida de solteira na casa de uma amiga  em comum. Haviam muitas pessoas, a principio as imagens estavam um pouco fora de foco, parecia um filme feito por um amador, mas um segundo gole de café colocou as coisas no foco e ela viu a cena, límpida e colorida.

 Passava uma bandeja de caipirinhas e sua mão pegou uma,depois outra e mais outra. Respirou fundo, como se a fita houvesse quebrado e a projeção interrompida.

- o que foi? Questionou Elizabeth.

- O café está gostoso, obrigado.

Teve medo de mencionar as imagens que começavam a fluir com nitidez em sua mente e nestas horas o melhor é ficar na toca.

Viu que estava bêbada, mas não ainda em coma alcoólica quando escorregou por cima da mesa das bebibas e derrubou o balde de um coquetel feito com frutas, vodka, cachaça, martini e sabe-se mais lá o que, pois nestas ocasiões vale tudo.

 A cena era grotesca, com a bebida esparramada no chão, ela mergulhou no assoalho como se fosse uma piscina.

“Crawl”, gritou e nadou com braçadas rápidas, depois continuou, “De costas”, “De peito”, “Borboleta” e deslizando pelo piso fez uma demonstração de nado Medley. Bebia a água espirituosa da piscina. Algumas amigas em sua loucura dionisíaca  mais se divertiam que se preocupavam, pois neste tipo de bacanal há uma regra de proteção aos excessos que fazem fluir qualquer coisa.

Na seqüência seguinte, as outras bacantes jogavam ainda mais bebida no chão.

Então outras entregaram-se ao mesmo ritual e se jogaram com entusiasmo no chão para compartilharem do mesmo delírio.

“Agora vou saltar do trampolin”, Kátia anunciou, tentou levantar-se, mas não conseguiu se erguer sozinha.

”Vamos parar com isso agora”. Disse Elizabeth se aproximando, oferecendo-lhe o corpo como suporte.

“Que palhaçada é essa?”

“Eu é que pergunto.”

“Ainda vou fazer a demonstração de meu salto ornamental de trampolim”. Subiu no sofá trôpega, preparou o salto, mas disparou um jorro de meleca e suco gástrico pela boca e caiu nos braços de Elizabeth, quase um mulambo.

Não lembrava mais se havia saltado ou não.

Virou-se para Elizabeth que tomava o seu café com bastante serenidade, olhou-a como se quisesse adivinhar uma resposta, e aquele silencio, ficava tomando conta da cozinha, até o barulho leve dos ponteiro do relógio de parede faziam mais barulho.

O filme continuava correndo em sua cabeça, queria uma palavra.

- Que mais aconteceu? 

- Você não saltou do trampolim, eu te trouxe para casa a tempo de você adormecer, não sei como as coisas terminaram naquela festa. Elizabeth preferiu omitir o vômito olímpico.