14 de mai. de 2011

CAPÍTULO 5 - O CALDEIRÃO DA BRUXA


O vapor preenchia a cozinha como uma nuvem. Todas as janelas estavam trancadas e uma cortina improvisada com um lençol transformava o lugar numa sauna. Gertrudes  de pé diante de um imenso caldeirão cantava uma canção, meio parecida com alguma língua mágica estranha. Dentro do caldeirão uma única batata inglesa boiando naquele redemoinho fervente. Os olhos dela estavam inchados pelo vapor intenso e também pelas lágrimas que fluíam com regularidade.

Padma que vinha chegando em casa notou que o ambiente estava tomado de uma atmosfera tenebrosa. A principio tentou encontrar Gertrudes procurando-a com o olhar.

- Gertrudes! Padma chamou.

Mas nenhuma voz se ouviu, a não ser aquela canção em forma de grunhidos melódicos como se fosse a linguagem de um ser de outras dimensões de estórias das fadas.

Padma então se aproximou da cozinha. Dava para notar o vapor que se alastrava vindo de lá.

- Gertrudes, você está bem?

Mas nenhuma palavra se ouviu. Então Padma se aproximou e afastando um pouco a cortina improvisada viu 

Gertrudes á beira do fogão mexendo o caldeirão e entoando aquele canto sem sentido.

- Você está cozinhando uma de suas receitas secretas?

Mas Gertrudes continuou absorta na sua tarefa como se somente ela existisse no universo.

Padma aproximou-se lentamente de Gertrudes e viu a sua tristeza e compreendeu o que se passava. Então se colocou ao lado dela e pegando outra batata inglesa jogou-a no caldeirão e ficou também entoando o seu canto.

-Padma, porque você interrompeu a minha tristeza? Perguntou Gertrudes.

- Não interrompi, apenas me juntei a ela. Duas mulheres choram melhor quando estão acompanhadas. Foi a resposta.

Gertrudes aceitou a justificativa, não porque concordasse, mas porque já não podia fazer mais nada e a outra batata agora rodopiava também dentro do caldeirão.

-Hoje, fui tomada de uma tristeza tão grande, que a única coisa que me fez passar foi vir chorar à borda deste caldeirão, justificou Gertrudes.

-Esta é a sua herança de bruxa. Disse padma.

- Como nas lendas medievais.

- Um pouco delas também, mas principalmente o seu conhecimento intuitivo dos segredos do universo.

Gertrudes esboçou um pequeno sorriso e fizeram silêncio por um longo tempo.

- Um Caldeirão é como se fosse o universo, um planeta, a vida de uma pessoa. Falou Padma.

-De onde você tira estas suas idéias?

- Da intuição!

- E dos livros, já compreendi que você é uma das mestras iniciadas através dos livros da nova era. Você é mais uma das bruxas hi-tech.

- Há coisas que os livros não podem te ensinar...

- A receita da eterna juventude? Provocou Gertrudes.

- Esta receita já está escrita em alguns livros.

- Qual?

- Você não me leva mesmo à sério, não é?

- Padma, eu sou como esta batata que já está se desmanchando e você é esta outra que ainda está aí dentro durinha esperando para ser cozinhada. Quando eu te pergunto sobre estas coisas, e brinco com as suas filosofias, é porque eu já estou me misturando de volta ao caldo universal.

- Uma batata não é somente uma batata, como este caldeirão é muito mais que um recipiente de alumínio, então faça disto uma nova possibilidade acrescentando mais algumas cores a este turbilhão, umas cenouras, por exemplo,

- Cenouras?

-Sim, primeiramente. Que significado você dá a elas?

-Bem, pelo formato e pela saudade, acho que elas deverão simbolizar os meus maridos, namorados e amantes...

-Que seja.

E assim elas começaram a colocar cenouras na panela enquanto Gertrudes recitava o nome de todos os homens de sua vida.

-Vamos colocar também umas cebolas, para simbolizar todas as minhas lágrimas. Disse Gertrudes.

- E um pouco de Salsa para simbolizar a esperança.

- E chuchu em homenagem aos dias de monotonia.

- E tomates para os nossos sonhos.

- E um pouco de sal para temperar o sabor.

Gertrudes entreteve-se com o brinquedo sugerido por Padma. Foram equilibrando os ingredientes e ao final haviam cozinhado uma esplendida sopa. O ar da casa foi tomado por aquele cheiro que fazia o ambiente parecer cheio de pessoas bonitas e alegres. Então Gertrudes rompeu com o seu rito de tristeza e abriu todas as janelas. Arrumou a mesa, pôs os pratos e disse:

-Minha amiga, vamos tomar esta sopa e celebrar a vida.

Gertrudes retirou de um velho baú uma antiga sopeira que havia pertencido aos seus avós e pratos de porcelana inglesa que haviam sido comprados de um mascate com sua tropa de burros quando os seus parentes ainda viviam nas brenhas dos sertões.E talheres de prata finíssima.

Mesa posta. Sentaram-se uma em cada ponta. O vapor da sopa subia com o seu odor mágico e inebriante.

- Viva a vida! Disse Padma.

- Viva.

E enfiaram as colheres na sopeira e brindaram com as mesmas cheias de alegria.