***A Primeira Lição***
A velha cigana escutou
a batida na porta e gritou:
- Quem é?
-Kátia, respondeu uma
voz infantil lá de fora.
A velha cigana então fez que ninguém havia
batido na porta e continuou a mexer a panela de feijão. Mas a porta recebeu
pancadas ainda mais fortes e a cigana gritou:
- Não tem ninguém em
casa, vá se embora!
- Tem sim, que estou te
escutando.
A cigana jogou a concha
artesanal feita com uma vareta traspassada
numa catemba de coco e foi até a porta.
-Eu não disse que a
senhora estava aqui?
A cigana fez menção de
que ia fechar a porta, mas a menina retrucou rápido:
- Pago para a senhora
me ensinar a ler as cartas.
- Que estória é essa menina? Disse a cigana
espantada com a assertividade da garota.
- Isso que a senhora
escutou. A senhora não é cigana?
- Sou.
- Então me ensine a ler
as cartas.
- E quem lhe disse que
eu posso ensinar; é um segredo.
- Pode sim, que a senhora
ensinou para a minha vó.
- Não ensinei não.
- Ensinou sim, disse Kátia
com uma cara de certeza.
A velha cigana pensou
em bater a porta e voltar para o fogão, mas diante da cara da menina, ela
previu que não seria fácil se desvencilhar da donzela, e não precisava de
nenhuma bola de cristal para perceber que dali por diante a garota iria marcá-la
sob pressão. Então fez a garota entrar.
- Só posso ensinar a
ler as cartas a quem sabe ler e escrever.
- Eu já sei ler e escrever.
- Você sabe o que é o
destino?
- Não, mas a senhora
vai me ensinar.
Entraram em direção da
cozinha. A cigana continuou os seus afazeres como se esperasse que em algum
momento a menina desistisse. Mas como ela não dava sinal de qualquer
enfraquecimento em seus propósitos, a cigana chamou-a para a mesa da sala, pegou
um baralho e disse:
- Veja isto é um
baralho comum. Eu vou lhe ensinar a usá-lo. Mas você deve me prometer que não
irá fazer leitura de cartas para ninguém até que tenha aprendido tudo.
Entendeu?
A menina fez um gesto
de assentimento com a cabeça e a cigana prosseguiu:
- Usamos do Ás até o 7
, mais o valete, a dama e o rei de cada naipe. São dez cartas de cada um, e
mais um coringa. Ao todo serão quarenta e uma cartas. Cada naipe tem um assunto
principal e cada carta um significado expresso por uma palavra chave, que você
deve guardar na memória.
A cigana parou a
explicação e foi fazer outras coisas dentro da casa.
- É somente isso?
Perguntou a menina.
- Não.
- E por que não termina
a lição?
- Porque falta você me
pagar. Tudo na vida tem um preço. É bom que aprenda desde cedo. Não se lê as
cartas de graça.
- Trouxe dinheiro para
pagar.
- Quanto você tem aí?
- Todo o meu cofrinho.
Já contei, tem 57 Reais.
- É muito pouco e isto
já pagou a primeira lição, junte mais dinheiro e depois continuamos com a
segunda lição e traga o seu baralho.
- É muito caro.
- Conhecer o destino
dos outros é muito caro.
A cigana parou para
contemplar a obstinação da garota.
- Por que você quer aprender a ler as cartas?
- Eu quero ser uma
cigana.
- Você pode ser uma
cigana no carnaval.
- Não falo dessa cigana
de carnaval, eu falo da cigana que sabe dos mistérios da vida dos outros.
- E quem lhe disse que
as ciganas sabem disso?
- Minha avó me disse.
- Neste caso, não vou
discutir com você. Quer um pouco de café?
- Sim, aceito.
A velha cigana pegou o
bule fumegando do café recém coado e colocou na mesa. Sentaram-se. O aroma de
café inundou todo o ambiente.
- Eu li que a gente
também pode ler a sorte em xícaras de café. Disse Kátia.
- A sorte se pode ler
em todos os lugares.
- Tem vários tipos de
sorte, não é?
- Como tem vários tipos
de pessoas, mas cada qual encontra o seu próprio jeito de encarar a vida.
- Eu sei que tem sorte
no amor, no trabalho e na saúde.
- Tem varias sortes
dependendo de cada um.
A cigana não se deu
conta de que estava conversando com a menina. Talvez a solidão a tivesse feito
esquecer as diferenças e se aberto a conversar com outra pessoa; nem se apercebeu de que estava ali com uma
menina falando da vida. Kátia levantou-se e falou que quando juntasse mais
dinheiro voltaria para ter a segunda lição de cartomancia.