28 de jan. de 2011

UM DIA DE ANGUSTIA NA VIDA DE MATIAS ALECRIM



Ele não sabia de onde havia vindo aquela sensação esquisita de que tudo parecia azucriná-lo, se fosse um vento, um zumbido de uma abelha errante ou mesmo a folha distante de um coqueiro. Tudo o irritava em detalhes tão profundos que parecia feri-lo no âmago do ser onde mora a alma.

 A sua criada olhou-o desconfiada e disse algo como o seu desjejum já está posto a mesa , mas aquilo pareceu um grito de guerreiro inimigo frente a frente no campo de batalha. Matias avermelhou os olhos com uma profunda vontade de mandá-la para os quintos dos infernos.

Ela percebeu que ele hoje estava vivendo um daqueles terríveis dias de sofrimento, que vinha de não sei de onde e que ficava por ali pairando e dando o tom de todas as coisas lindas da vida. O pão parecia podre, o café azedo, o suco de frutas insosso e o bolo um misto de excrementos colocados em fatias de chocolate fecal. Algo que o mal o humor é capaz de produzir.

Matias resolveu que o melhor nestes dias era ficar mudo, mas esqueceu-se de avisar às crianças do bairro, principalmente hoje, que haveria um campeonato de pipas. Ele sentiu que seria uma condenação ter que encarar aquelas horríveis e adoráveis criaturas, miniaturas de gente, mas demônios completamente crescidos e com os seus reinos por estabelecer.

Matias sentiu a dor da gritaria que se aproximava de sua porta, olhou para uma espingarda antiga que atirava chumbo aos quatro ventos, mas a voz grossa da criada, se fez ouvir num sonoro, Matias, essa mulher agora tinha o poder de escutar os seus pensamentos foi o que concluiu Matias. Ele tergiversou em ruminar consigo mesmo que aquela dócil serva era no entanto uma bruxa, mas o pensamento escapou e ele escutou o barulho de alguns pratos sendo atirados contra a parede. Neste caso até pensar era um negócio extremamente perigoso. Fazer o que?

 Suportar.  Elas chegaram e foram entrando pela casa numa algazarra só, dirigindo-se para a cozinha onde lhes aguardava bolos, sucos e doces. Ai meu deus, que sofrimento. Ele pensou que talvez fosse uma boa idéia fugir, mas na impossibilidade disso imaginou construir uma pipa gigante amarrar todos aqueles pequenos e depois cortar a linha e vê-los desaparecer através dos céus e das abóbadas em direção ao mais alto do inferno. Matias não se deu conta de que o inferno geralmente ficava embaixo e não em cima, mas isto era um detalhe que não lhe tinha vindo à mente.
Teve que ir para a sala ajudar a construir as pipas, e cada vez que escutava um Vovô Matias, ou um Tio Matias pensava, não sou avó nem tio destas coisinhas malditas, pois a sua cabeça doía terrivelmente.

Então com o extremo mal humor que lhe assomava, mas controlando-se o quanto podia com medo da horrorosa bruxa, ele se foi para o campo onde outras, talvez milhões de crianças em sua percepção, estavam ali para atormentá-lo. O que dizer dos pais e tios, tias e coisas familiares do tipo, que vinham com comentários  idiotas e vinha-lhe na mente os pensamentos mais obscenos, mas a velha criada pigarreava dando a entender que havia escutado o seu pensamento. Nem mais pensar eu posso, que tortura.

E assim foi-se a manhã fazendo o que não queria e fingindo estar com a felicidade no rosto, pois tinha aprendido a fazer a careta básica de sorriso feliz. Sorria para todos aqueles monstrinhos e respectivos proprietários.  Pensava, se eu quisesse trabalhar em circo, já teria os bichos, mas escutou a voz da criada, Siô Matias controle-se.

De tanto fingir que estava feliz esqueceu-se que estava fingindo, e foi fingindo, fazendo de conta que brincava, que em um momento começou a brincar e a correr e ficou tão absorvido nisso que as pessoas que estavam no parque acharam estranho aquele comportamento e pararam para ver o espetáculo. Ele corria e empinava a pipa e gritava como se tivesse a mesma idade que os pequenos. Voltou para casa tão cheio daquela energia que foi até a cozinha e comeu sozinho todo o bolo de chocolate que havia sido feito para o lanche da tarde, e comeu mais os docinhos. Foi tanto que teve uma dor de barriga, e enquanto a dor pressionava os intestinos ele cantava uma modinha que fazia muitos anos que estava esquecida em algum lugar de sua infância.

Ele não sabia o que estava acontecendo até que a criada perguntou-lhe se ele estava feliz. Ele parou, ficou um pouco envergonhado de ter se esquecido de seu mau humor e foi dormir. Dormiu até o dia seguinte, levantou bem cedo e foi ver o sol nascer no jardim.

Nenhum comentário: