10 de fev. de 2011

CAPÍTULO 2 – COMBATE FILOSÓFICO

- Siga a voz leve que sopra sobre a tua cabeça. Disse Padma com ares de guru.

 Gertrudes ficou acabrunhada com a proposta procurando uma maneira de desmontar a colega. As duas mulheres continuaram andando silenciosamente pela calçada.

-  E se lá na frente tiver uma tribo de canibais? Perguntou Gertrudes.

 - Vá em frente, mesmo que os guerreiros malvados da tribo inimiga estejam lá te esperando. Respondeu Padma.

- Vai só, que eu não vou ser engolida como refeição.

Mas neste dia Gertrudes determinou-se a não se sair vencida neste embate meio filosófico e procurou um aliado. Viu que se aproximava um padre e atacou de supetão.

- Padre, a gente deve sempre ir em frente nas coisas que pensamos em nossa cabeça, mesmo que tenha um perigo muito grande nos esperando? Disparou Gertrudes.

O sacerdote respondeu na bucha:

 - Vá em frente,  não olhe demasiado para trás para não ficar com torcicolo, faça o que precisa ser feito. Cada dia sempre tem a sua cota de tarefas inadiáveis, algumas das quais escrevemos em nossa agenda, e outras que surgem ali na hora e são tão urgentes quanto as outras. Faça o que tem que ser feito, mas não faça falando, faça fazendo, a não ser que a sua ação seja a fala, então abra a boca e acredite  que aquilo que precisa ser dito vai sair de sua boca.

O padre foi respondendo, andando e não olhou para trás. Simplesmente passou como um vento rápido de verão.

Padma aproveitou a oportunidade e perguntou a um pescador que estava na beira da lagoa tentando pescar algo se devia esperar que o peixe mordesse a isca.

- Sim e também do mesmo jeito com as outras coisas da vida diária, desde escovar os dentes até atravessar a rua.

- Mas neste caso você está parado sem fazer nada. Objetou Gertrudes.

- Tenha sempre a noção de que há um momento ideal  para cada ação, um momento que gasta menos energia e produz mais resultados. Não fique esperando este momento, mas aprenda na ação a descobrir o melhor momento. Às vezes, é preciso ficar quieto porque esta é a ação correta. Disse Padma.

O pescador voltou o seu olhar para as águas encardidas da lagoa. As duas mulheres seguiram o seu caminho.

Então Padma disse:

 - Olhe para o céu, respire ar puro, oxigene bem os pulmões, e beba água pura, alegre-se em seu coração por cada oportunidade, diga sempre muito obrigado por cada coisa.

- Você está muito Polyana para o meu gosto, diga-me onde leu todas estas baboseiras. Falou Gertrudes com rispidez.

Viajaram em silêncio por ruas e avenidas, vendo pela janela do ônibus coletivo, o movimento da noite em alguns bairros residenciais, algumas  pessoas saindo de casa após o jantar e colocando as cadeiras na calçada.

Então Padma falou:

- Vale a pena descobrir que este pequeno ato abre as portas dos maiores obstáculos e acima de tudo mantém a mente focada em deus.

- Mas que é deus, para nós que vivemos numa sociedade onde a presença de algo divino está tão massificada pela mídia? Atacou Gertrudes.

- Fica difícil até pedir que se exercite a intuição e a calma. Concordou Padma.

- Hoje temos que gritar  para ter a sensação de deus.

- Mas perceba que deus é uma palavra difícil de ser trabalhada, e há somente uma maneira de aproximar-se de seu sentido: através da calma, da pratica desinteressada da caridade, da mente limpa e de um imenso sentimento de gratidão. Pouco importa o que é, como é, onde mora, pois estas questões mesmo que corretamente trabalhadas pela teologia, nas mão cotidianas transformam-se em muros que separam-nos do sentido de deus.

Gertrudes viu que a colega não iria capitular e aceitou filosofar pelas beiradas.

- Um bom exercício é alimentar-se do que é bom, das coisas boas, para o corpo e para o espírito.

- Espírito, é outra palavra, imagine o que é esta coisa, algo imaterial que vive dentro de nosso corpo, mas para ser feliz a compreensão dela é essencial, não aquela compreensão dos dicionários, mas a compreensão que brota da experiência subjetiva, não há outro modo de aproximar-se desta palavra.

O semblante de Gertrudes contorceu-se diante daquele momento de filosofança e disse:

- Isto é filosofança!

- Esta palavra não existe.

- Eu acabei de criar.

Padma  não se abalou, olhou para a lua cheia que parecia observa-las com curiosidade e falou mansinho:

-  Apesar de ela estar no dia a dia  não é possível comprá-la.

- Você está falando de quê?

- Será preciso fazer  uma jornada ao nosso interior. Há que se descobrir coisas muito sérias e que podem ser a chave de todas as nossas experiências.

Gertrudes deu uma balançada no peito que os seios quase pularam para as costas. Explodiu toda a sua ira contra a era de aquários. Disse o que pensava: que ela era uma mulher sem preocupações filosóficas abstratas, que um homem nu numa cama era toda a filosofia de que precisava.

- Caiu na rede eu devoro e só fico triste quando não sei o que fazer com a minha solidão. Arrematou Gertrudes.

-   Então aprenda a meditar.

- Meditar???

- A primeira e mais básica técnica é aprender a parar o corpo e prestar atenção na respiração, somente isso. Um exercício útil é colocar o despertador para dez minutos e sentar-se em uma posição confortável e ficar imóvel observando o próprio movimento respiratório. O truque de estabelecermos um tempo serve para aprendermos a ter paciência e esperarmos o alarme do relógio. Comumente ficamos querendo saber quanto tempo falta e criando ansiedade, então é preciso aprender a viver este tempo sem preocupação, depois aumente o tempo para trinta minutos, sessenta ou mais conforme a sua necessidade. Agende sempre um tempo para estes encontros com o silencio, diariamente, mas faça isso em um lugar que não seja interrompida, pode ser o banco de uma praça, de uma igreja,  um recanto no trabalho, não aproveite, momentos agitados como os tempos no transporte coletivo ou filas de banco.

- Ahá, você não é capaz de enfrentar os tormentos de uma fila básica da Caixa Econômica. Disse Gertrudes como se tivesse descoberto um ponto fraco da outra.

- Quando estiver num lugar como esses em que o tempo parece não andar, será útil desenvolver um exercício de travessia: imagine uma longa ponte de corda sobre um abismo,  imagine que está atravessando esta velha ponte de corda sobre um grande despenhadeiro, cada passo na fila corresponderá a um desses passos cuidadosos que você deve dar para não cair no precipício. Explicou Padma.

- Com a quantidade de pessoas que tem na fila a ponte vai se romper precipitando todos no buraco. Respondeu Gertrudes com ironia.

Padma calou-se e passaram assim neste mutismo mais de uma hora, talvez mais um pouco. Então Gertrudes sentiu-se incomodada e falou:

- Desculpe-me a acidez, sou terrível e a velhice apenas me deixou ainda mais nojenta.
Houve ainda mais silêncio e então Padma disse:

- Ouça a voz de seu coração, mas também ensine o seu coração a não se magoar com coisas à toa. De que adianta ouvir sempre a voz do coração, se você ensinou-o a ser raivoso e ciumento?  A educação desta voz é de grande utilidade, pois ela dialoga diretamente com a voz da consciência, sendo o principal contato da mente objetiva com o desconhecido reino interior. Quando quiser realizar algo, construa o seu diálogo com a voz do coração e somente depois estabeleça o contato com a voz interna que tem o contato com todas as energias que movem a nossa vida.

Gertrudes sentiu um embrulho no estômago. No íntimo achava aquelas frases um monte de baboseiras. Sorriu com aqueles dentes de pose fotográfica.

- Tão nova... Que desperdício!

Padma sorriu apenas.

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