A velha senhora abriu a porta de vidro da agencia de viagem
e a atendente já foi gritando:
-Perdoe...
A velha senhora estava usando um vestido marron um pouco
amassado, e também uma sombrinha que servia
de bengala; carregava debaixo do braço
um saco de pão de papel um pouco sujo. Ela na sua lentidão demorou a entender o
que a atendente do balcão havia falado e continuou caminhando em direção ao mesmo.
- “Vovó, nós não
damos esmolas aqui, a senhora procure o pessoal que fica no ponto do ônibus que fica ao lado.”
A senhora ouviu o recado, parou, olhou para todos ao redor,
baixou a cabeça e retirou-se em passos lentos, mas firmes. As meninas do
atendimento ficaram rindo e comentando:
-“É isto todo santo dia,
a mendicância é um bom negócio.”
A velha senhora saiu daquela agencia e sacudiu o pó dos pés.
Por coincidência, havia na mesma calçada, quase vizinha, outra agencia de
viagem. A velha senhora caminhou alguns passos e entrou na loja.
Foi entrando e logo que passou a porta, escutou uma voz:
-“Posso ajudá-la em alguma coisa?”
A velha senhora pelo tom de voz percebeu que se tratava de
um convite cordial e caminhou até o balcão.
Sentou-se.
A atendente perguntou-lhe se queria uma água, ou um
cafezinho, ao que ela respondeu que aceitaria um chá se tivesse.
- “Mate, boldo, laranja com especiarias ou maçã com canela?”
- “Maçã com canela.”
- “Só um instante.” Disse a atendente levantando-se e indo até a copa
para providenciar o chá.
Voltando colocou a
xícara fumegante no balcão.
- “Açúcar ou adoçante?”
- “Adoçante.”
- “Bem, em que posso ajudá-la?”
- “Quero comprar
algumas passagens para os meus tataranetos.”
- “Tataranetos!” Disse a atendente surpresa.
- “Já tenho tataranetos?”
- “Eu acho difícil ter
bisnetos?”
- “É que eu comecei cedo, minha filha e parece que o costume
pegou com as mulheres da família.”
- “Vêm todos?”
- “Todos. Os tataranetos
é a minha parte porque foi uma promessa
que eu e o meu marido fizemos.”
- “Quantos são os seus tataranetos?”
- “São 12 e mais um que
não sei se poderá vir sozinho pois terá
que viajar depois das provas finais de sua escola.”
- “Qual a idade dele?”
- “Treze anos anos.”
- “Ele pode vir com
autorização dos pais.”
- “Então quero trazê-los
todos.”
- “De onde eles vêm?”
- “ Todos de São Paulo.”
- “Bem” – disse atendente - “vou emitir os bilhetes de ida e volta de cada
um deles, e por sorte sua eles estão com
uma promoção que veio a calhar para esta ocasião, se não for muito íntimo qual o motivo da
vinda deles para cá?”
- “É uma longa estória, mas resumindo quero que todos
estejam presentes a minha festa de bodas de diamante, pois não é todo dia que
se pode fazer uma festa dessas.”
A velha senhora deteve-se um instante com o olhar num vitral que ficava no alto esquerdo e uma réstia de luz que coloria a parede .
- “Eles vem de congonhas ou de Guarulhos?” Interrompeu a
atendente.
- “Como?”
- “Eu vou colocar Guarulhos.”
A velha senhora concordou.
- “Quando eu e meu esposo éramos mais jovens a vida parecia
muito difícil. E por várias vezes o nosso casamento parecia que ia se acabar,
então fizemos uma aposta :que se ficássemos juntos por 6o anos, se isto acontecesse e estivéssemos
vivos, traríamos todos os nossos tataranetos para a festa. Era
um motivo para apostar no futuro e vencerem as problemas momentâneos que sempre aparecem nos relacionamentos.”
Então depois de feitas todas as contas a atendente
apresentou o valor.
- “ Qual será a forma de pagamento?”
- “Em dinheiro?”
- “Como assim?” Disse
a atendente estupefata.
A velha senhora colocou o saco de pão em cima do balcão e
foi debulhando todas as notas, separando-as
por valor de tal forma que pudessem ser contadas. As notas estavam um pouco amarrotadas
pelos solavancos que havia recebido.
Depois de feita a contagem e verificado que havia ainda
muito dinheiro para retornar ao saco a atendente perguntou:
- “A senhora não quer
que eu chame um taxi de confiança para a senhora,
ou que venha alguém para lhe fazer companhia, os tempos estão muito perigosos.”
- “Não se preocupe,
estou bem.”
- “Então eu vou emitir os bilhetes. Posso enviá-los por email?”
- “Como?”
A atendente percebeu que email seria algo muito estranho.
- “A senhora tem o telefone de alguém de lá para eu mandar a
ordem das passagens?”
A velha senhora passou um número de telefone, que a atendente
imediatamente contatou, explicando que a
tataravó estava mandando passagens aéreas para todos os tataranetos conforme prometera. A atendente enviou o email com as ordens de
passagens e confirmou pelo telefone o recebimento. Depois passou o telefone
para a velha senhora que se abriu num grande sorriso.
- “Espero vocês”. Finalizou
a ligação.
- “Eu vou dar para a senhora uma cópia impressa do email e
caso aconteça algum problema a senhora
me ligue que resolverei tudo.”
A velha senhora agradeceu. Colocou o saco de papel debaixo
do braço com ainda muito dinheiro e dirigiu-se para a porta apoiando-se na sombrinha.
Então, voltou-se, fitou firmemente a
atendente e disse:
- “ Você é uma pessoa muito especial e merece a felicidade”.
E saiu da loja em direção a um carro que já a aguardava.
Um comentário:
A realidade é uma fonte de inspiração. Felicidade para quem for como essa atendente.
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