8 de jan. de 2022

A LIVRARIA DA LUA

 Hoje eu recebi a ligação de uma voz feminina me convidando para uma conversa. Disse-me que se chamava Luna e que os nossos encontros anteriores foram marcados por acontecimentos que provavelmente ficaram guardados na minha memória como se fossem sonhos ruins. Vinha vivendo a agonia de acordar de manhã e lembrar de coisas estranhas que aconteceram no dia anterior, mas que eu também tinha a certeza de que aquilo não fora real. Uma coisa é a realidade, outra é a quimera. Eu tinha a sensação de que aquelas coisas estavam em luta dentro de mim. Isso tinha a ver com a presença daquela mulher nas minhas lembranças. Propus tomarmos um café. Assim eu iria encontrar com a personagem de meus pesadelos. 

Marquei na Livraria do Café, que fica no Rua Augusto dos Anjos no centro da cidade antiga. Lá é um ponto de encontro de artistas e intelectuais, e segundo o meu entendimento, é um lugar protegido contra as emanações  negativas que andavam correndo sobre a cidade de João Pessoa. É uma sala grande subdividida por balcões de livros ,tem estantes nas paredes, parece com um mergulho em um mar de estórias. Em um dos cantos da sala há um balcão de um café com um mostruário de salgados e doces, ao fundo em outro balcão uma máquina de café café expresso. Há três mesas com quatro cadeiras cada, para os clientes. Marcamos para três da tarde. Lá era um ambiente onde poderíamos conversar livremente e protegidos.

Nada mais propicio para lidar com uma situação próxima da ficção do que uma livraria.  Não estava cedendo para a tese da alucinação, mas é que coisas que tem este tipo de realidade são difíceis de serem colocadas no dia das pessoas a não ser através dos jogos eletrônicos e dos filmes fantásticos; a gente nunca dá com a possibilidade de que isto possa existir. 

Cheguei no horário combinado. Pedi um café forte duplo.Da posição em que estava dava para ver através dos livros expostos na vitrina a movimentação das pessoas que passavam pelo Beco.

“Olá, tudo bem contigo?” - Disse Luna sentando-se. 

Ela vestia uma calça jeans elástica, de cor verde, que lhe fazia o contornos das pernas, uma camiseta preta com flores bordadas em amarelo. O cabelo cortados formando uma pequena franja sobre a testa; o volume do cabelo mas denso no alto fazia uma transição brusca na linha da orelha fazendo a forma de um arco na nuca que ficava completamente à vista revelando a tatuagem de uma carranca. As orelhas finas e um pouco pontuda no alto.Ela usava um brinco de ouro que tinha a imagem de uma árvore da vida, dessas que aparecem nas revistas de palavras cruzadas. Era um visual diferente do que estava na minha memória.

“Estou avaliando se não é um erro, mas…” - disse-me segurando a minha mão.

Ela pensava que talvez tivesse sido um erro, porque era algo que não poderia ser desfeito, transformado-o  numa lembrança distante. Ali era alguém que estava saindo do mundo do inverossímil e se encontrando em carne e osso comigo.

Mas ela estava errada sobre mim. Eu entenderia alguma coisa do que estava acontecendo. Estava preocupados com as coincidências, com a sensação de estar em dois mundos. Pedi mais um café duplo dessa vez extra-forte. 

Ela disse-me que uma conversa aberta não seria aceitável, mas que cederia algumas informações, apesar de eu não ter credencial, mas que poderia ajudar de alguma forma.

“Posso saber como?” - Perguntei.

“Você poderia ser um observador de algumas coisas estranhas que estão ocorrendo em João Pessoa”

“Um espião?”

“Algo assim”

A livraria era um lugar adequado, para um papo descontraído, um pouco imaginativo, era o disfarce perfeito. Os clientes não se assustavam com a nossa conversa, ao contrário, eram atraídos pela figura exótica de Luna. Eles olhavam-na despindo-a com os seus olhares. 

Posso dizer que ela estava muito atraente. Eu tinha comigo que a conversa era um teste, relembrando  que eu tinha estado em lugares e visto coisas que são invisíveis para a maioria dos mortais, e que até ali, colava a idéia de  uma alucinação, mas agora não, ela iria  me explicar tudo. 

Ela falava com desenvoltura gesticulando os braços como se o espaço fosse uma substancia e ela moldasse nele as palavras, chamando a atenção dos freqüentadores, alguns homens, que pensavam que ela fosse apenas mais uma Lolita esperando pelo seu romancista. Porém, eles não sabiam o que ela realmente era; as aparências enganam. Ali Luna não se parecia com a mulher eu que vira em ação. 

Vi quando um amigo se aproximou com cuidado para não criar a idéia de que estava flertando com Luna, acho queria que tudo parecesse casual.

Ali não daria para continuar a nossa conversa, fosse o que fosse,  e ainda mais com as importunações dos amigos, propus que fôssemos para outro lugar. 

“Gente, dá licença que eu estou conversando com o meu amigo” - ela protestou.

Ela falou que estava na hora de colocar essa cultura patriarcal e machista na lata do lixo, e os “cidadãos de bem” lentamente foram se recolhendo.

A nossa conversa continuou em paz.  Ela me explicou as coisas que estavam acontecendo na cidade e questionou se eu toparia conhecer um pouco mais, que eu tinha passado por algumas experiências.

“Teve um momento em que pensei que estava ficando louco, perdendo a lucidez”

“A nossa organização cuida de coisas de segurança em setores fantásticos”

“Qual o nome dela?”

“Não importa”

“Vou chama-la de…”

Luna repreendeu-me com o olhar. Depois saímos e fomos caminhando pela Praça do Ponto de Cem Réis. Ela disse-me que mandaria o endereço de nosso próximo encontro, entrou em um táxi e foi embora, e dessa vez eu sabia que não era um sonho.


CONTOS DA SEQUÊNCIA

1- ZUMBIS EM JAMPA

https://avizinhadeagatha.blogspot.com/2020/04/zumbis-em-jampa.html

2 - O PORTAL DA PRAÇA DA PEDRA

https://avizinhadeagatha.blogspot.com/2020/04/zumbis-em-jampa.html

3-A LIVRARIA DA LUA

https://avizinhadeagatha.blogspot.com/2022/01/a-livraria-da-lua.html

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