6 de jan. de 2022

O PORTAL DA PRAÇA DA PEDRA

 Eu estava sentado em um banco na Praça da Pedra, que é um lugar místico - uma pedra que fica no meio de uma praça. Uma pedra? - Isso, uma pedra não tão grande como um obelisco. Um obelisco anão - Muito estranho. As pessoas que passam acham inusitado aquela monólito ali.

Dizem que ela tem ligações com o outro mundo, por causa da proximidade do mais antigo cemitério da cidade. 

Quando você está em João Pessoa, você pode estar em uma Praça chamada Pavilhão do Chá, da qual parte a  Rua da República, uma ladeira íngreme que levará você para a Praça da Pedra. Faça esse caminho quando o sol estiver a poucos graus de atingir a linha do poente. Pois é lá que se passaram os fatos que vou contar. Poderia ser mais uma lenda urbana de Jampa, mas aconteceram comigo naquele dia.  

Era próximo das seis horas da tarde, de um mês de inverno e a superlua cheia estava bela  em sua chegada. As pessoas em seus caminhos de volta para as suas casas, e boêmios começando a lida da luxúria noturna, e tantas coisas mais - eu tinha ido ali para comprar uma peça para o meu automóvel, uma Brasília amarela, antiga, cujas peças somente se encontrariam em desmanches de carros antigos do Distrito Mecânico, que ainda é um lugar que agrega oficinas mecânicas e ferros-velhos. 

De volta do Distrito Mecânico passei pela frente do cemitério do Senhor da Boa Sentença, e no cansaço,  sem ter conseguido comprar a peça do automóvel, sentei-me na Praça da Pedra, o meu sapato incomodava demais. 

Eu estava absorto contemplando o fim do dia naquela hora tão especial escutando o radio de pilha do pipoqueiro que estava na calçada, tocando a Ave Maria, quando Eduardo e Luna se aproximaram da pedra. Ficaram inquietos quando me viram, mas tentaram dissimular que me conheciam. Eu lhes lembrei que os conhecia de um acidente no qual estivemos todos envolvidos e no qual havia sucedido coisas estranhas. 

 “Prefiro viver no presente”- disse Luna

“O que estão fazendo aqui?” - perguntei. 

Luna respondeu que estavam esperando um amigo.

Perguntei se era alguém do bairro, pois conhecia algumas pessoas, mas eles disseram que não, que era algo sem importância.

Eles estavam muito ansiosos e se afastaram dando a impressão de que iam embora, mas eu percebi quando se esconderam próximo ao Sebo do Coronel, uma antiga livraria de livros usados, que ficava na Rua da República.

Eu decidi me afastar, mas mantendo a vigilância  sobre os dois. Vi quando eles se aproximaram da pedra, fizeram um meio giro ao redor da mesma e desapareceram.

Então eu me aproximei, e fiz o mesmo giro e para minha surpresa estava na mesma praça, só que não existiam pessoas nas ruas, o horário era o mesmo, mas a cor do mundo era de um sombrio azul profundo.

Procurei pelos dois, e os vi descendo a calçada em direção as ruínas da antiga Fabrica Matarazzo. Eles percebem a minha presença.

“O que está acontecendo? - perguntei.

“Acho que o que aconteceu contigo naquele acidente de ônibus na Avenida Miguel Couto te habilitou a passar pelos portais de Jampa” - Explicou Eduardo.

“Eu sabia que não tinha sido alucinação”

“Essa é uma situação muito incomum” - completou Luna.

Eles explicaram um pouco o que estava acontecendo.

Vai parecer estranho o que vou contar para vocês, mas a tarefa deles era pegar uma pedra especial, que estava sendo usada pelas criaturas da cidade dos monstros para abrir os portais de Jampa e “zumbizar” as pessoas.

“Zumbizar?”

“Transformar em zumbis” - explicou Luna.

“Não ria, é sério!” - completou Eduardo - “e o  plano deles é controlar os portais de Jampa para invadir a cidade e atacar as pessoas, retirando-lhes as almas, transformando-as em  armas capazes de qualquer perversidade. A nossa missão é capturar essa objeto”

Achei aquela estória muito estranha. Disse que estava disposto a ajudar, mas eles lembraram que era uma tarefa difícil, pois o lugar era guardado por criaturas assombrosas…

“Sim, e o que mais?” -  Eu debochei.

Eles me pediram que ficasse na retaguarda, na calçada, enquanto que eles entrariam no prédio.

A rua estava vazia com uma luminosidade cinza e um cheiro de podre que vinha do Rio Sanhauá que ficava logo abaixo. Eu sabia que o rio estava poluído, mas o cheiro transcendia a realidade, o vento era frio com lufadas cortantes.

O portão tinha o desenho de uma letra U invertida na vertical, que terminava numa espiral. 

Pensei que poderia ficar ao menos pelo lado de dentro, e como não havia nada à vista, também achei que Eduardo e Luna haviam me enganado com aquelas estórias fantásticas. 

Olhei para para todos os lados e não os vi, então já que estava ali aproveitei para caminhar um pouco pelo espaço, estava escuro, mas a luz da lua cheia deixava o lugar explorável.

Caminhei entre as sucatas. Era um corredor curto, sem perigos, havia uma  chance mínima de acontecerem complicações. Essa era minha aposta.

Pensei comigo que não iria abusar da sorte se desse somente uma espiada no lugar.

Então fui surpreendido por um golpe de espada aos meus pés. Escutei o tilintar do aço no chão. Fiquei paralisado. Vi um animal semelhante semelhante a uma naja com três cabeças, todas cortadas, e cerca de 2 metros de comprimento.

Apareceu Luna e fez um gesto pedindo que eu fizesse silencio. Eu fiz um gesto com os ombros dizendo que não estava entendendo o que estava acontecendo. 

“É um filhote” - Ela sussurrou. 

Eduardo apareceu também portando uma espada e explicou que a mãe daquele réptil estranho deveria estar por ali, e que agora eu teria que ir com eles porque a missão não poderia ser cancelada.

Entramos em um salão com teto triangular com 50 metros de altura, onde deveria ter sido o galpão das máquinas pesadas. Era de metal, já com muita ferrugem, aparentava ser sólida apesar dos seu século de abandono. Eu pensei que talvez aquele lugar pudesse ser um centro cultural. 

Eles me pediram para andar agachado e em silencio. Dentro do galpão a luz era pouca, mas percebia-se que havia um mezanino na parte alta, onde haviam criaturas se movendo, uma luz amarela bruxuleante produzida por candeeiros a querosene. Eduardo indicou uma parede do mezanino para ser escalado por Luna; ela esgueirou-se naquela direção e virou uma sombra.

Eduardo mandou-me segui-lo, mas afundei o meu pé em um buraco e fiquei preso. Percebi que ele deu um suspiro profundo.  Voltou e ajudou-me a sair. Nisso quando íamos subindo por uma escada em espiral  percebi que uma caranguejeira cabeluda pulou nas costas dele. Eu peguei-a com cuidado, logo mais sabia como fazer isso, pois já tinha criado algumas como animal de estimação. Ela não era venenosa, mas notei que Eduardo ficou assustado; achei que ele não amava os aracnídeos.  Já  estávamos próximos ao lugar, entramos numa passarela suspensa que nos levava a uma porta.

No salão não havia mais ninguém. Luna já estava lá e disse que o lugar estava limpo. As paredes estavam pintadas de cinza com uma textura que dava a aparência de algo escorrendo do teto, o cheiro era cabelo queimado.

Eles falaram que não estava ali, mas que era um lugar próximo. Eu fiquei admirando a paisagem lá do alto, o pátio da antiga fábrica. Era intrigante terem construído um salão grande suspenso sobre uma grande estrutura que parecia ter sido um dos fornos da antiga fábrica. Como tudo se parecia com um sonho, eu não tinha nem um pouco de medo.

Eles vasculharam o salão em busca de algo. Eu não sabia o que era. Sentei-me em um banco e olhando para a parede atrás do púlpito tive a impressão de ver um pequeno brilho, que a luz da lua fez refletir. Mostrei a eles, que louvaram o meu achado. Era um olho mágico que fora acomodado na parede. Assim, descobrimos poderíamos estar sendo observados, e nesta hora senti um arrepio. Também percebi que o armário possuía rodinhas quase imperceptíveis também reveladas pela lua. O armário era uma porta camuflada.

A outra sala era escura, sem nenhuma brecha para ver o céu, se parecia com uma sala de apoio de um templo; em suas paredes estavam desenhados olhos grandes; nas quinas superiores, nos quatro cantos, estátuas de pequenas criaturas com olhos negros sem narizes e uma boca minúscula. No centro do teto havia o desenho de um mapa da cidade de João Pessoa onde haviam marcados alguns lugares com um X amarelo, notei que entre estes lugares estavam o fim do viaduto da Miguel Couto, a Praça da Pedra e a Fabrica Matarazzo.

“O que são estes X marcados no mapa da cidade?”

“São os portais; tem vários” - Disse Eduardo.

Não havia uma porta de saída dali. Parecia uma armadilha mortal.

Luna percebeu uma pequena alteração no assoalho e com perícia conseguiu destravar o mecanismo e abrir uma passagem.  Uma luz bruxuleante de cor amarela-alaranjada escapou pelas frestas, dava a impressão de um fogo, algo queimando.

Eles perceberam a minha surpresa, então me disseram que a partir dali as regras do mundo seriam outras, parecidas com aquelas que vivenciara no viaduto, onde o portal fora aberto, e eles conseguiram fecha-lo por muita sorte.

Agora eles estavam conscientemente passando para aquele outro lugar, que funcionava, mais ou menos assim: Jampa era um nível mágico da cidade de João Pessoa, mas ali iríamos entrar no nível sombrio da cidade de Jampa, que era o lugar de onde vinham os monstros. Disseram-me que teria que ir junto, pois o portal da Praça da Pedra já se fechara e agora eles teriam que ir por outra saída, que eles sabiam exatamente onde ficava.

“Isto não é  um filme, não é um sonho. E você será útil como isca.” - Disse-me Luna.

Desejei que fosse um sonho.

Quando passamos pela porta, demos com um alpendre suspenso no espaço no qual havia uma passagem em duplo arco verde a 15 metros de altura, ladeada por figuras de monstros montados com peças  de sucata e entre eles cortinas feitas de pequenos ossos humanos.

Chegamos a um corredor longo com curvas e ao final uma porta com fechadura embaixo rente ao chão. Luna e Eduardo debruçaram para examinar o que parecia ser uma fechadura moderna com chave comum. Iniciamos uma busca pela chave. Não havia nada. Olharam para mim esperando que a sorte de principiante valesse a pena naquela instante.

“A porta pode estar aberta” - foi a minha sugestão idiota.

Era uma sugestão idiota mesmo, se depois de tanta fantasmagoria a porta estivesse aberta. Eduardo zombou de mim. Luna me olhou com pena. 

Eu realmente não estava respeitando a dimensão dos acontecimentos. Então para completar a minha imbecilidade resolvi empurrar a porta, nem usei de muita força, ela cedeu rangendo, estava aberta para a surpresa geral.

Eduardo e Luna disseram que poderia ser uma armadilha, logo mais uma eventualidade assim não se encaixaria neste tipo de acontecimento, pois até o momento não havia aparecido nenhum tipo de obstáculo e tudo caminhava bem, apesar do lugar ser sombrio e estranho.

Nunca imaginei que aquela fabrica abandonada contivesse esses mistérios. 

“Bem, estou novamente tendo delírios e amanhã quando acordar tudo isto será apenas a recordação de um pesadelo.” - Pensei comigo.

“Não é um sonho.” - Disse-me Luna adivinhando os meus pensamentos.

Empurramos a porta e entramos naquele lugar amplo, do tamanho de um Ginásio de Esportes. No meio estava um pequeno altar e em cima dele um objeto com um brilho muito peculiar.

Luna me disse que se tratava de um material chamado pedra da lua. Era isto que deveríamos pegar e fugir. 

Ao ver as criaturas que habitavam aquele lugar, senti o horror dentro de minha alma, com a evocação de todos os seres diabólicos que já habitaram os meus pesadelos.  A minha opção era fugir sem olhar para trás. Fui me esquivando devagarinho em direção a porta de entrada. Fui de “fininho” como se diz. Luna e Eduardo tomaram o rumo deles, nem olhei. 

Tentei empurrar a porta, mas estava travada. Disse comigo mesmo um palavrão, que como foi algo interior, não preciso descrever aqui para não escandalizar algum leitor. Então forcei a porta, ela cedeu fazendo um rangido. 

Ninguém me percebeu, abri a porta e me arrastei para dentro da outra sala. Ajoelhei-me encolhendo o corpo depois que ouvi um som estridente. Enquanto isso, o pau comia na caverna.

“Meu deus , por que fui me meter nisso?” -  Disse arrependido de ter seguido aqueles dois.

Naquele momento, tudo aquilo que acontecera no viaduto, que eu estava atribuindo a um delírio, ou a um pesadelo, estava acontecendo novamente. 

De repente, entraram pela porta Eduardo e Luna. Ficaram surpresos em me ver bem e disseram para irmos rápido porque eles tiveram que lutar com algumas coisas lá, das quais esqueci os nomes, e provavelmente elas estariam vindo atrás de nós. 

Fizemos o caminho de volta , mas quando chegamos na passarela aqueles monstrinhos de sucata estavam vivos. Eduardo disse-me que precisamos passar ligeiro porque a aproximação das coisas lá de baixo iam mudando e dando vida àqueles bestas de metal. Corremos. Já perto da saída Luna sugeriu que fôssemos pela corda que ela usou para fazer a escalada.

“Eu descer? Jamais”

Eles desceram. Quando vi aquelas coisa vindo em minha direção, agarrei-me à corda e desci ralando a minha mão, o coração a mil.

Uma vez no chão sabia o caminho a correr. Uma coisa era lutar com algo visível, outra era enfrentar coisas invisíveis, ou fora do padrão do meu paradigma civilizado.

Cheguei ao portão de entrada primeiro, fui abrindo no solavanco, corri até a Praça da Pedra, mas não sabia como fazer para passar de volta para a cidade normal. Eduardo e Luna chegaram, não se incomodaram comigo, pediram que os seguisse. Fui com eles até o coreto da Praça do Pavilhão do Chá. Luna retirou um objeto de sua sacola e esperou que ele acendesse,  então passamos de volta para a cidade normal. 

“Um portal é aberto com a pedra da lua de um tamanho especial uma vez a cada lua cheia, mas essa pedra mesmo em seu tamanho menor tal como é vendida nas lojas de artigos orientais, se for colocado no local exato, o que é muito raro, quase impossível, pode estabelecer sintonia com um portal.” -  Disse-me Luna.

Eduardo disse-me que depois eu saberia mais, que eles iriam me procurar. 

A cidade estava normal com o seu transito descendo a Rua General Osório. Havia passado somente alguns minutos após as seis horas da tarde. Um conselho: se for a Praça da Pedra, nesse horário não leve uma pedra da lua.

Por favor não postem fotos do lugar para não incentivar os aventureiros.


CONTOS DA SEQUÊNCIA

1- ZUMBIS EM JAMPA

https://avizinhadeagatha.blogspot.com/2020/04/zumbis-em-jampa.html

2 - O PORTAL DA PRAÇA DA PEDRA

https://avizinhadeagatha.blogspot.com/2020/04/zumbis-em-jampa.html

3-A LIVRARIA DA LUA

https://avizinhadeagatha.blogspot.com/2022/01/a-livraria-da-lua.html


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